quinta-feira, 30 de abril de 2015

feito chocolate derretido.

E tinha aquele lance de sentir o corpo tremer também.
Eu tentei resistir mas passei a achar que tudo que você fazia tinha um quê de apelação.
O jeito de se aproximar de mim para um cumprimento.
E o seu perfume.
E o jeito como você me olhava.
Claro, essa parte só notei porque eu também te olhava.

E toda essa história de te perguntar sobre a lição de casa, fumar um cigarro depois da aula, dividir um doce ou sei lá o que, tudo desculpa para ficar perto de você.

Eu sei que você sempre soube.

Mas eu achava poético disfarçar.

Depois eu te lambi inteiro feito chocolate derretido.

Quente, macio, gostoso.

Depois pedi mais.

(Mayra Guanaes)

quarta-feira, 29 de abril de 2015

FRÁGIL



     Adoro me observar por dentro, o problema é quando fico preso.




A vontade que tenho é a de me esconder dentro de uma caixinha transparente
e guardar comigo todas as tristezas que me enfraquecem; 
todo amor que tinha nesse mundo 
foi lambido 
feito chocolate derretido 
por humanos,
libertemos
!





                                                  (Paulo Afonso S. Da Silva) [(foto: edson degaki)]

terça-feira, 28 de abril de 2015

Todo amor que houver nessa vida

Po, finalmente entendi o Caetano sabe? "Quero a sorte de um amor tranquilo, com saber de fruta mordida..."? Que me desculpem os vorazes e os das paixões avassaladores, mas o amor para mim é lento, ele não aparece do nada e te joga na cama, isso é gripe, o amor vai crescendo conforme o outro vai se infiltrando nas brechas das nossas vidas. Talvez por pensar assim tenha amado tão pouco até hoje, acho que se cansaram de mim antes mesmo de eu ter tido tempo de amar... Mas não ligo muito não, quem amei vai ser amado para sempre e se alguém me amou acho que tenho que pedir desculpas, mas tá tudo bem também...

Até tenho inveja das pessoas que se entregam perdidamente no primeiro mês, constroem planos no segundo, vivem a lua de mel no terceiro e sofrem ao longo dos quartos e quintos o desamor, acho tão bonito o estar envolvido que queria mais, só não consigo. Mas ao mesmo tempo eu não trocaria esse arroubo de sentimento pela constância das manhãs compartilhadas, do acordar com cheiro de café, da novela fazendo cafuné, do beijo com dentes desescovados e da dor de cabeça das contas, do suco espremido para ressaca. Nada me tira da cabeça que a real beleza do amor não está no inesperado ou nas loucuras que fazemos, a beleza está na poesia do dia a dia, na ternura da rotina...

Pera, que? Essa música não é do Caetano? Do Cazuza?!?! Porra, então não entendi nada!


Augusto Nessuno

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Uma Enorme Festa

Nenhum ser humano é auto-suficiente. Uso essa palavra porque cansei de ouvir gente dizendo que “não precisa de ninguém”. Gente que estufa o peito feito o analfabeto político de Brecht e grita com todo orgulho que “ninguém é insubstituível na sua vida”. Dá certa aflição ouvir isso, porque esses são os pobres cegos que não percebem que a melhor coisa do mundo é ter alguém único na sua vida, alguém em quem você pensa toda vez que quer comemorar um dia muito bom ou chorar uma tragédia. Toda vez que você despreza uma pessoa que te quer bem e que pensa em você com carinho, está também jogando fora uma oportunidade de ser feliz, mesmo que por um único momento.


No outro oposto, também há as pessoas que são dependentes de outras. São inquilinos sociais que não conseguem viver sem um hospedeiro de onde tiram todas as suas relações e até eventos sociais. Em pouco tempo é possível ver como isso pode ser toxico para qualquer um, já que qualquer tipo de dependência gera ansiedade, paranoia e uma submissão total, beirando a serventia. Quem vive em função dos outros se esquece de si mesmo, abrindo mão sempre da sua própria felicidade para fazer os outros felizes. É como se a vida valesse mais do que a dos outros.


Talvez seja porque essas pessoas não se valorizam o suficiente, e, por isso, não conseguem valorizar ninguém ao seu redor, ou valorizam demais. Eu mesmo durante muito tempo vinha pequeno, muito pequeno, quando conhecia alguém novo. Sempre achava que minha companhia incomodava e que outras pessoas faziam um favor de ser meus amigos. Chegava ao ponto de passar mal de ansiedade quando precisava ir para uma festa ou qualquer lugar em que eu precisaria conhecer gente nova. Até o dia em que eu de fato me conheci.


Até o dia em que eu comecei a praticar meu auto-conhecimento diário. Parei de olhar para os outros e comecei a olhar para mim mesmo.


Para muita gente, tentar se conhecer é como uma criança que tenta olhar para seu próprio nariz: está perto demais para ter uma visão clara do que de fato é, mas é como minha mãe sempre me disse “Você é a pessoa mais importante da sua vida, então se conheça e se ame”, nós não temos muita escolha. Nós somos nossa única companhia que está garantida até o fim da nossa vida, então bom que sejamos bons amigos de nós mesmos, que nos conheçamos como ninguém e nos amemos acima de tudo.


É difícil, mas precisa ser feito.


Isso porque se você não se amar acima de tudo, vai depender das outras pessoas te valorizarem. E é aí que, como uma amizade que não foi cultivada, nós vamos nos distanciar de nós mesmos até cairmos no nosso próprio esquecimento. Viraremos uma pessoa que grita que não precisa de ninguém na vida, ou buscaremos um hospedeiro social de onde tiraremos toda nossa felicidade. Sem falar que viraríamos presas fáceis daqueles que só se relacionam por interesses egoístas.


É um assunto confuso, nublado, sem resposta certa, de fato, mas pensemos bem: tudo o que precisamos saber é que dentro desse mundo completamente desequilibrado e cheio de fobias e inseguranças, precisamos encontrar no ponto de equilíbrio dentro de nós mesmos. As pessoas ao nosso redor vão nos ajudar a encontrar esse ponto e nós as ajudaremos a encontrar o delas, mas tudo isso deve ser um grande círculo, sem hierarquias. Um relacionamento saudável se baseia em trocas e não em dependências, mesmo que poucos percebam isso.


Pense bem, a vida de cada pessoa é como uma grande festa: é vazia e triste se ningúem for, é falsa se as pessoas forem obrigadas e sempre é chato quando alguém aparece sem ser convidado. As pessoas vão a festas para comemorar eventos que importam para elas, seja um conquista na vida, um aniversário ou um casamento, e na nossa vida devemos sempre comemorar o fato de ainda estarmos vivos. A vida acaba quando acabam os motivos para se celebrar.

Com quem você quer celebrar sua vida?

By Vitor Murano

domingo, 26 de abril de 2015

Celebrar

Vez em quando sinto imensa gratidão - sei que deveria ser constante, mas é que alguns problemas também fazem doer. Vim ao mundo, fui convidada e me receberam com doces e tudo o que tenho direito... Obrigada pela recepção. Cresci - até certo ponto - e fui tratada com cuidado e atenção, obrigada por tanta paciência. Me descobri mulher e todos festejaram com alegria, como se tivesse dado a melhor notícia do ano - em partes era -, agradeço pelas boas vindas ao novo mundo. Ainda não me tiraram para dançar, mas acredito que o evento está começando - obrigada aos amores que não deram certo por me ensinarem que nada é o fim do mundo e que há sempre algo por vir. Ando sem pressa, aguardo não-ansiosa pelo momento do parabéns, observo todos dançando ao meu redor e - vez ou outra - me pego sorrindo ao ver os casais constituindo a melodia. Resolvo levantar, dar uma volta... Novos convidados chegam - "Quem são? E... Porque aqueles ali estão indo embora?" - Não obtenho resposta. Tropeço em um dos degraus da pequena escada e ralo a meia calça. A festa já dura algum tempo... Não encontrei meus pais para ajudarem com o machucado. Me preparo para o jantar e os que eram desconhecidos se tornam meus amigos de mesa, daqueles que foram embora eu já não sinto mais falta. Minha roupa é bonita, mas acho que o sangue do machucado assusta quem pensa em se aproximar. Eu queria gritar que aquela música é a minha favorita, e ela é tão sensível que eu acredito representar o meu interior, mas ninguém se preocupa em ouvir. De pouco em pouco os convidados começam a se despedir de mim. À princípio não entendo nada, logo depois noto que aquela festa é a minha. Me despeço com um certo receio, parece que não nos encontraremos novamente tão cedo. Sim, é exatamente isso. As luzes vão se apagando, pessoas novas continuam aparecendo.. "O que está acontecendo?!" - A festa está acabando... "Mas... Faltou aquela música!!!" - Pessoas continuam indo embora e eu permaneço sentada. Sinto que o salão ainda me pertence, portanto não me desespero, ainda há tempo para celebrar - mesmo que sozinha. Mas... Eu aainda tô aqui, não me tiraram para dançar. Olha... Eu estou calma, mas prometa vir antes da festa acabar.



(Mariana Cortez)

sábado, 25 de abril de 2015

Aos meus filhos

Meus amores,

Por vocês me aventuro em versos e prosas, para lhes deixar algo que possa ser útil, sega na pratica ou como um alimento para vossas almas inquietas.

Inicio este escrito dizendo que não tenham medo e caso tenham medo sigam com medo, até que ele desapareça. Não que ter medo seja algo ruim, na verdade ele é muito útil para lembrarmos que somos humanos e temos nossas limitações, mas quando digo para não terem medo, o que quero dizer é para que não temão a luta, ela é dura mas muito necessária. Tenho consciência que até o nascimento de vocês ainda haverá pré-conceito dos quais não poderei protege-los e nem impedir que eles ocorram, mas poderei e irei lhes empoderar! Vocês terão orgulho da sua cor, do cabelo e do nariz, pois eles lhe tornarão quem vocês realmente são e ao se olharem no espelho irão ver tamanha beleza de teus traços.

Não estarei sempre ao lado de vocês, pois além de meus filhos vocês serão do mundo. Não se espantem com isso, pois está em nosso DNA! Possuímos o gene da inquietação e da peregrinação, somos tartarugas, levamos nossa casa nas costas. Nossa casa é o mundo!

Sei que muitas vezes não vou entender o que se passa com vocês e você muitas vezes não vão compreender minha preocupação, as vezes vocês vão querer abraçar o mundo com as pernas (principalmente aos 19 ou 20 anos) enquanto eu só irei querer abraça-los, mas outras vezes vocês vão se preocupar com essa minha eterna mania de abraçar o mundo com o coração. Concluo que não serei a melhor mãe do mundo, mas serei a melhor que puder para dar o mundo pra vocês.

Não vou pedir para que vocês tomem para si as minhas lutas e militâncias, mas não as ignorem, a opressão do outro um dia pode ser a sua de alguma forma, mas mesmo que não seja, não ignore. Por mais que existam pessoas escrotas não deixem a fé no outro se esvair pelos dedos, doe-se, pois mesmo que o outro não retribua o universo irá. Ele lhe dará asas para voar e fazer da tua casa o universo.

Por mais que eu chore com a distância não parem, pois lhes ver voando me faz voar também. E saibam, mesmo longe estarei como vocês!

Beijos
Mãe (ou mães)



(Victória Sales)

quinta-feira, 23 de abril de 2015

devagar e divagando - o que eu diria se eu tivesse filhxs

É assim que as coisas são. É assim que a gente resolve tudo: devagar e divagando.

Tinha um amigo que dizia: olha, não é um conselho. É só uma sugestão, menos afobação, pensa bem nas coisas que você vai fazer.

É isso: pensa bem. Pensa sempre porque a vida é dura e a queda é dolorida.

E você cairá muitas vezes, sabe. Repetidas vezes. Em algumas de suas quedas você conseguirá se erguer rapidamente, outras nem tanto. Mas fica tranquila. Depois de um tempo cair dói menos. Depois de um tempo seu corpo já estará tão coberto de cicatrizes que mais um corte ou outro não vai fará tanta diferença assim.

Aproveite as coisas boas da vida. E os detalhes. São os detalhes que fazem diferença no cotidiano.

Respeite as diferenças. E tente se colocar no lugar das pessoas que pensam diferente de você. Esteja de ouvidos abertos e novamente: pense no que você quer dizer. Construa seus argumentos antes de se colocar.

Não tenha medo de ser diferente da maioria. Aceite as suas diferenças, lide com elas. E não tente se diferenciar, lembre-se: ao querer parecer diferente, pode ser que você esteja tornando-se igual. Contraditórios os desejos da nossa sociedade, não?

Foque nas coisas que você tem de bom. Nos seus talentos e nas suas habilidades, são estas características que tem empurrarão para frente. E se esforce para melhorar e se superar sempre.

Seja curiosx. Não fique satisfeitx com as superfícies, busque o aprofundamento das coisas que você gosta.

Procure sempre aprender e compartilhe o que você já tiver aprendido.

E desconfie. Desconfie inclusive disso tudo que eu sugeri agora. Questione e defenda sua opinião com garra, calma e pontualidade.

Pense, reflita, divague.

Preserve a sua sensibilidade. Vivemos na sociedade do choque, do imediato, da superficialidade.
Presta atenção que é importante: A vida tentará te endurecer. Não deixe que isso aconteça.

E leva um casaco que tá esfriando. Não quero que você fique doente.

(Mayra Guanaes)

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Fui a Cu bá,

bá...

Cresci;
sou
bicha,
drogado,
preto,
índio,
cigano
(branco)
um tanto caliente
abortei ideias cristãs
sigo com fé nos batuques
as vezes me oriento
não estudo economia
nem crio galinhas
mas durante o dia procuro grama
de noite só asfalto
melancolia urbana
sou do litoral
vou mudar de capital
de chão em chão
devagar e divagando
me descubro vagabundo
e nesse vai e vem
vaguei, vazei, fui...


(Paulo Afonso S. da Silva)

terça-feira, 21 de abril de 2015

O que ele vai ser quando crescer?

   Nossa, quanta gente estranha. O que minha mãe tá conversando ali, quero ouvir, por que será que ela me deixou tão longe dela? E se...
   - Nheud... Bleuhdas, nheeééeee...
   - Ô bebê da mamãe, que aconteceu? Vem cá vem, fica aqui no colo.
   Opa, agora sim, tô no meio da conversa.
   - Mas gente, eu não posso deixar meu filho sofrer essas pressões bestas da sociedade! E se antes de fazer a faculdade ele quiser trabalhar, ou viajar? Pra quê fazer ele escolher algo tão definitivo sob todos esses holofotes exagerados? E se o Alex decidir viver, ao invés de sobreviver como temos feito? Ele tem que estar livre pra suas escolhas.
   - Ai eu te entendo, mas qual a chance disso acontecer na nossa sociedade? Se ele terminar o colégio e não estiver decidido sobre que curso fazer na faculdade já vão taxá-lo de vagabundo, que vive as custas da mãe.
   Ei, não gostei do que você falou moça. Eu não vou ser vaga... vaga o que mesmo? Ah, mesmo assim, não vou ser isso ai não.
   - Ai, Alê, tá parecendo que você virou um deles isso sim! E olha que nem chegou aos 25 anos hein! - Olha, a moça chama Alê, que nome bonito, parece o meu...
   - Um deles! hahaha. Parece até que a gente vive num lugar com duas facções, os jovens e os adultos, onde pensar no futuro é coisa de velho. É importante definir o que você vai ser, se não você fica largado no mundo e sei lá, vira um desses esquerdistas ai.
   - Opa, eu ficaria é feliz da vida se o Alex virasse um esquerdista que luta por uma sociedade diferente! Né, bebê, já pensou, você em uma manifestação por direitos iguais? Ô que bonito! - que sorriso gostoso mãe! parece que você gosta mesmo dessa ideia deu ser um esquerdadista, é assim que fala?
   - Ai amiga, desse jeito ele nunca vai ser alguém na vida. Você precisa ter pulso firme com ele desde agora, pra ele ir crescendo e já decidir o que quer ser, no que quer trabalhar, assim ele chega nos 20 anos com um futuro pela frente, não fica igual esses marginais, esses socialistas que parece que não trabalham pra fazer manifestação no meio da tarde... O que ele vai ser quando crescer?
   Mas moça, se eu tô vivo, eu já não sou alguém na vida?? Esses adultos tem cada ideia... Olha que negócio engraçado que fica em cima do berço, será que eu alcanço....

(Clara Di Lernia)

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Até onde vamos?

Quando chegamos à idade adulta - 18 anos, geralmente - parece que atravessamos uma porta. Até então somos meros adolescentes que não sabem muito o que vai acontecer depois depois do notório ensino médio. Mas de repente, junto com sua nova permissão para dirigir, beber e até de fazer merda sem que seus pais levem a culpa, vem uma bomba relógio que é amarrada junto ao seu pescoço. Uma bomba relógio que vai explodir em aproximadamente 10 anos, mas que eventualmente, dará pequenos estalos para você se lembrar que ela está lá. Esses estalos são provocados por certas perguntas-chaves que todo jovem adulto ouve de vez em quando. Elas começam bem inocentes com “E aí, quando vai arrumar o primeiro emprego?”, “E o Vestibular?”, “Já vai começar a faculdade?” e vão piorando quando o tempo passa:

“Quando você vai se formar?”, “Quando vai sair da casa dos seus pais?”, “Esse namoro não vai virar casamento?” “Já pegou todas nas festas da faculdade?”

Todas elas podem se traduzir em uma única coisa: A sociedade nos dizendo “Quando você vai se tornar um de nós?”

Calma.

Porque exigem de um menino de 18 anos, ou um jovem de 24 para ter uma vida construída quando ambos mal saíram da adolescência?

Calma.

A vida não é assim. Vamos por partes. Um passo de cada vez, porque todos eventualmente precisam se entender, se achar. Muitos se esquecem que a vida não é baseada somente no emprego. Que o mais importante é seu caráter, e não sua carreira. Os padrões da sociedade estão tão enraizados que as pessoas esquecem que nem todos querem ser como eles.

Nem toda mulher quer casar, ter filhos.

Nem todo homem quer “pegar todas”.

Calma. Nem todo mundo é assim.

By Vitor Murano.

domingo, 19 de abril de 2015

Calma

Quando me ligou às duas da manhã disse que iria me esperar. Me contou que é questão de tempo, que precisa da minha certeza, que tenho de amadurecer. Enquanto isso as coisas iam acontecendo aqui dentro, o coração desejando berrar que não era preciso tempo, que por meus dedos ele já dizia que era só questão de querer, mas eu o calei. É estranho pensar - e não só isso, também é estranho me dar conta - que tudo o que tem vindo vem leve, que a minha consciência me atravessa depressa com pensamentos que dizem que já está tudo certo, e eu só preciso ter calma. Mais estranho ainda é me deparar com o conformismo que toma a comissão de frente e cessa qualquer incerteza antes mesmo dela aparecer. É como se eu já soubesse, se eu já sentisse... É como se nós dois pertencêssemos à uma realidade que não é essa, como se tudo o que acontece hoje fosse apenas um passatempo, nos preparando, assim, para o que há de vir. Quando te imagino, não te imagino aqui... Se fecho os meus olhos, nos vejo vivendo num outro clima; A minha rotina não muda, tampouco a sua, mas o que nos tornamos se estamos juntos nos faz diferentes e transforma toda a órbita ao nosso redor. Se fecho os meus olhos, não tenho medo nem me sinto insegura... Eu ouço tudo o que quem mora aqui dentro me diz e, com isso, tomo uma ou duas doses de coragem para prosseguir. Calma... É tudo uma questão de calma. O agora existe para que nós dois possamos existir depois.


(Mariana Cortez)

sábado, 18 de abril de 2015

Foi desejo.

Foi desejo sim, nem sempre precisa ser amor!
Foi paixão também, porque negar o coração?
Mas praquele moço, antes do coração, vem a razão.
Ele falou alto e claro "nessa vida, não quero sentir dor!"

Aquela dor que não é física, 
   mas dói como uma gastrite nervosa.
Aquela dor que não te larga,
   e te mostra que não está morta.

Mas o desejo - aquela vontade - 
ela tem vida 
e não precisa ser esquecida.
Então sim, foi desejo.
Desejo de ter o corpo do outro, na mesma medida que o outro te tem.
Desejo de dizer sim e de ouvir o não, de dizer não e ouvir o sim.
Desejo de se envolver, e mesmo assim, a alma não doer.

Alguns vão dizer que isso
   de se entregar pro outro
só pode acontecer
   quando se ama.

Eu te digo, meu amigo,
que isso só pode acontecer,
quando as partes se querem.
Quando se tem...
DE  SE  JO. 

Vai dizer que você também não o tem?

(Clara Di Lernia)

sexta-feira, 17 de abril de 2015

MEU sexo

Ao sentar aqui revi meus privilégios.
Pois sim, eu tenho privilégios senhores!
Embora toda a opressão sofrida diariamente,
Eu tenho o privilégio de ter escolhido ir pra cama com alguém.
Eu quis, sabia exatamente o que estava fazendo.

Eu tinha 19 anos,
Ao contrario das minha amigas de escola
Que tinham 14 anos ou até mesmo.
Eu não engravidei de primeira,
Eu na me arrependi,
Eu não tenho vergonha de compartilhar isso com os outros,
Eu não me culpei,
Não foi cedo demais ou tarde demais,
Foi minha escolha, foi desejo.
Eis ai meu privilégio
Em meio a tantas opressões,
Mas ainda assim um privilégio quando comparado
A realidade das minha iguais.

Esse privilégio chamado:
DIREITO AO CORPO
Deveria ser um
D I R E I T O DE FATO.

Eu digo quando farei do meu prazer,
Nosso prazer.
Mas nesse momento meu gozo é dela,
Meu prazer é com ela,
Meu corpo quer o corpo dela
Não por obrigação,
Mas por escolha, por puro querer!


(Victória Sales)

quinta-feira, 16 de abril de 2015

ele entrou, saiu, me calei

Me perguntavam qual foi a minha primeira experiência sexual e só depois de muito tempo de terapia consegui dizer realmente. Antes eu contava uma história inventada, uma história bonita. Eu contava sobre um moço bom que eu havia namorado e amado muito. Um moço tipo aqueles príncipes que aparecem em contos de fadas e histórias de prostitutas, um moço que havia aparecido para me tirar daquela vida.

E eu dizia: foi bom, foi bonito. Se eu gostei? Sim, gostei. Mas era mentira, essa história nem existia de verdade, e era justamente a verdade, com que eu não queria lidar. A história verdadeira era triste e era dela que eu sempre fugia nas conversas com as amigas no barzinho. Eu achava melhor contar qualquer outra coisa.

Por muito tempo eu achei que eu estava errada e ele certo. Que era assim mesmo, que os homens são assim, que a vida é bela e que eu devo relaxar. Não. Não devemos relaxar. A cada vez que relaxamos parece que morremos um pouco mais. A corda tá no pescoço e quando não prestamos atenção ela enforca.

Então um dia me meti numa dessas conversas em que a palavra empoderamento aparece muito e contei a minha história para as meninas ali presentes, acredite, havia meninos também que se sentiram tocados quando contei que a minha primeira experiência sexual não foi nem um pouco agradável, que eu tinha 11 e ele nem sei, 40?

Foi em algum dia de verão, eu passava férias na casa dos meus avós e nesse dia todos dormiam depois do almoço. Eu estava na sala deitada assistindo tv, meio sonolenta depois do almoço. Um tio distante vinha visitar meus avós, por algum motivo que eu desconhecia, não havia chegado até a hora do almoço, meus avós já não contavam mais com essa visita.

Adormeci na sala. Acordei com alguém passando a mão sobre as minhas pernas e quando abri os olhos, um homem que eu não conhecia tapou a minha boca  e fez sinal de silêncio. Tentei gritar e me levantar do sofá mas ele mantinha meu corpo preso ao com as mãos. Ele era bem maior do que eu. E então ele abriu o zíper e começou a roçar seu membro em mim. Eu sentia vontade de vomitar e na medida em que eu tentava me soltar, ele fazia isso com mais força. Até que senti um liquido quente escorrendo em minhas coxas.

Ele foi embora com a mesma sutileza com que entrou.

Mais tarde tive que dividir a mesa do jantar com este senhor. Era o tio que os meus avós esperavam.

Eu contei para a minha vó o que havia acontecido, ela não acreditou, disse que eu estava mentindo. Os meus pais foram mais razoáveis, ouviram a minha história e me mandaram para um psicólogo. Este tio nunca mais foi mencionado, nem esta história. Por todas as coisas que eu ouvia, eu me sentia culpada. Por isso eu nunca contava a ninguém. Eu tinha medo de me culparem por algo que eu achava tão triste e doloroso.

Depois de muito tempo percebi que eu não tinha culpa de nada.

E na primeira vez que contei essa história, pensei que talvez fosse uma história comum, parecida com as histórias de outras meninas e mulheres. E então eu me senti menos sozinha.

(Mayra Guanaes)

quarta-feira, 15 de abril de 2015

D'ELE


ele entrou
saiu
me calei


Me senti enforcado
por palavras-chaves
fiz gargarejo com meus desejos
porque fui te olhar?

quero ficar em outra posição
dentro de mim

tô todo bagunçado hoje
t o d o s o l t o

não apague a luz tão cedo
queria tanto ver teu rosto
mais uma vez

parece até que tô gostando
de cafuné
vem fazer em mim

ôh! doce ele;
volta aqui
eu sei que é ele
e eu homem e ele
Ele, eleleleleleleleelelelelele
quantos "ele" hão de aparecer?

se ele vier me sorrir de novo
prometo que serei todo
dele




(Paulo Afonso S. da Silva)

































terça-feira, 14 de abril de 2015

Desejo Espectral


O seu calar é o que
mais me encanta
somos iguais, somos o mesmo
e no nosso jogo sou só o início
tive minhas certezas roubadas
fui inserido em algo que
não tenho como entender
e no meu jogo 
na junção do a e b
seu silêncio me suspende
sua fala me corta


minha verborragia inconsequente
busca seu calar
Anseio aproximação
meu calar procura
seu reconhecimento
Anseio igualdade para então
em seus olhos me ver visto
E em devaneios por você
jamais te quero ter
Mas sorriria ao sentir.



Augusto Nessuno

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Existindo

Ele era um homem sozinho, não por medo, mas por opção. Sentia-se melhor se não devesse nada para ninguém e nunca conhecera de fato as pessoas. Mesmo no trabalho pouco se relacionava simplesmente por achar que aquilo só o distrairia e preferia fazer só o dele, sem dar satisfações ou ajuda. Gostava da solidão que sentia mesmo quando andava na multidão, porque era um lugar do qual ninguém podia tirá-lo.


Vivia em uma casa pequena, com móveis pequenos e poucos luxos. Mesmo seu carro não chamava atenção. Era um homem que só existia para ele mesmo, ninguém mais reparava nele. Todos os dias ele via as pessoas que passavam, todos os dias passava por pessoas tão solitárias como ele, e ficava feliz por conseguir ver aquilo com tal distanciamento. Era um talento, um privilégio por assistir as crises diárias das pessoas ao seu redor sem elas nunca atingi-lo. Esse era um dos motivos pelos quais amava ser sozinho.


Era um homem que vivia como um fantasma.


Dessa forma que ele conseguia ser insensível. Observava de longe e aproveitava como se fosse um filme, como se não fosse real. Com o tempo aprendeu a se esconder até mesmo dos familiares que tentavam se aproximar. Mesmo seus pais, já velhos e sozinhos, não existiam mais para ele. Fazia mais de dez anos que vivia assim e não sentia falta de nada da sua vida antiga.

Vivia como um fantasma, mas esquecia-se de que não era. Era na verdade, um homem que se enganava. Sozinho, não vivia. Apenas existia. Sozinho, não fazia nada além de continuar a ser sozinho no conforto, na segurança de sua solidão.

By Vitor Murano

domingo, 12 de abril de 2015

Diaeano

É tão engraçado viver o cotidiano, porque é como se eu me sentisse mais segura no momento em que fecho os olhos e te imagino aqui. Ainda que essa ação faça parte do meu cotidiano, me funciona como uma espécie de fuga de tudo o que me cerca. Tudo! Por isso eu sinto que vivo um cotidiano paralelo no qual você é presente. Não importa o que eu faça, não importa em quem eu pense, de quem eu goste ou como eu aja.. Você permanece. Dia e ano no meu cotidiano. Para ser sincera, não sei bem como lidar com todo esse transtorno, porque ele não transtorna, ele acalma. Você acalma. É engraçado querer tanto, criar tanto, sentir tanto e não ter quase nada. É engraçado porque você me tira de mim e me encaixa em qualquer lugar que há dentro de si. A realidade se torna mais gostosa com você em mente, mas, cá entre nós, também seria bom ter você presente. Eu não sei o que nos aguarda, mas eu sei que há algo que desejo: que você esteja aqui. Do lado, pra dentro, comigo nas ações e, também, no pensamento. Eu desejo que o cotidiano continue mais leve se eu paro para lembrar do teu riso, mas assumo que anseio que você ria comigo.


(Mariana Cortez)

sábado, 11 de abril de 2015

     Aquela coceira estranha no antebraço o acompanhava há semanas, já não era possível só ignorá-la, ela fazia questão de estar ali, continuamente, a coçar, dia após dia.
     Usando toda sua concentração para superar aquela coceira, ele tomou banho, se arrumou, tomou aquele café amargo e foi mais uma vez para aquele trabalho - as vezes doce, outras mais amargo que o café que tanto gostava - e tudo isso só depois de coçar o braço que o incomodava.
     Durante o dia, não deixou de conversar com o amigo que estava em um dilema de friend zone, não perdeu a chance de mandar mensagem pra amiga que ia em uma entrevista de emprego, "o emprego que eu quero dessa vez!" como ela mesma dizia. A mãe havia ligado para falar que a orquídea tinha dado flor e estava linda, e que estava com saudades, ele entregou o job pendente e ainda ajudou o colega de trabalho na criação de outra peça publicitária. Mas a conceira continuava, o antebraço sempre incomodando por baixo da camisa de cetim.
     Saiu do expediente para o happy hour, coçou o braço. Pediu o chopp pro garçom, aquele com o qual se divertia na hora de conversar sobre a novela, mais uma leve coçada. Tomou aquele copo, como se fosse o último, foi para a casa do namorado, outra coçada no braço. Jantaram, riram, conversaram do dia, dividiram temores, tudo isso enquanto ele coçava o braço.
     Aquela irritação não passava, era constante e de leve, como se dizendo "oi, tô aqui! Pode seguir a vida, mas não me esquece". Ele já estava mais incomodado do que conseguia aguentar. Escreveu, em um papel que estava jogado na sala, um bilhete, e foi se deitar com o namorado.
     Ficou na porta do quarto por um tempo, apenas observando a respiração daquele com quem dividia tantas coisas, há tanto tempo. Olhando como era tranquilizante vê-lo dormir, e se inspirando na coragem dele. E foi ai que decidiu.
     Naquela noite ele sabia que seria o mal dito.
     Ele sabia que dessa vez ele seria aquele cara de quem ele tanto já reclamara na vida, aquele que não está lá na manhã seguinte.
     Mas ele sabia que era preciso, não era pra ser. Pegou sua camisa, sua chave, e deixou o bilhete em cima da mesa. Saiu sem olhar pra trás. Quando entrou no ônibus noturno foi que reparou, havia deixado a inquietude daquela coceira para trás também.

     No dia seguinte quando acordou e não encontrou ninguém na cama, o rapaz estranhou. Do rádio saia uma frase que indagava se as pessoas iriam fugir a melhor das lutas, e ele riu, pensou em quão sortudo era por seu companheiro não ser o covarde que fugia. Se levantou e foi tomar um copo d'água. Encontrou um bilhete na mesa, e uma coceira no braço.

(Clara Di Lernia)

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Apenas mais uma de amor?

Achei já ter visto aquele filme.
Um flerte, um beijo e versos soltos na mesa do bar.
Eu realmente achei já ter visto aquele filme,
Por isso achei já saber o fim daquela história.
Todo filme de amor era sempre igual,
Todos os meus filmes de amor eram iguais.
A mocinha se encanta,
Se deixa dominar por uma paixão utópica,
Se entrega, se joga de cabeça
Em uma relação fadada ao fracasso,
Em uma piscina vazia.
Eu tinha medo da sensação de  já ter visto aquele filme,
Pois ele sempre acabava da mesma forma,
Como mais um poema de desamor
Escrito em mais uma noite de embriagues literária,
Enquanto juntava meus pedaços deixados
pela casa, pela rua, pela vida.
Pedaços deixados por mim na esperança de que você voltasse.
Assim acabavam meus filmes de amor.
Eu achei já ter visto esse filme,
Jurei que seria igual aos outros
E por ser igual aos outros você iria embora,
Eu já havia me preparado para isso.
Mas você não foi embora.
Foi então que percebi minha galega,
Eu nunca havia visto esse filme.


(Victória Sales)

quinta-feira, 9 de abril de 2015

A história parecia se repetir

Mas depois pensei que parece que continuo sendo a mesma pessoa que eu era há dez anos. Sim, carrego mais bagagem em minhas malas, bolsas e mochilas mas por causa do peso, em vários momentos tive que abandonar parte dessa bagagem toda, apesar do apego.


Mas as relações parecem reciclar tudo, toda a bagagem que parecem já desnecessárias.


Quando parece que você encontrou o amor da sua vida você quer saber tudo dele. Os filmes favoritos, as séries, o tipo de música que gosta de ouvir, o que gosta de fazer nas horas livres. Com sorte, ao saber, você sente vontade de conhecer tudo que não conhece ainda e tornar os gostos algo comum.


Porque se torna possível imaginar uma tarde de domingo entediante com o seu amor. Para onde iriam, o que poderiam fazer?

Depois quando as coisas passam tudo aquilo que você conheceu parece inútil. Algumas coisas inclusive se escondem em algum lugar da nossa memória, até que algo aconteça e te faça lembrar.

Os gostos em comum parecem aproximar as pessoas. Mas no fundo, sabemos o que é: vez ou outra alguém se destaca na multidão e às vezes fica, às vezes passa.

(Mayra Guanaes)

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Das sensações de emoções

Estou com problema nas pálpebras; a cada piscada que meus olhos dão um moço aparece na escuridão do meu pensar...
Tirei cada palavra de trás do pensamento. Tinha umas letrinhas escondidas bem na raiz, estavam em uma artéria cerebral, elas estavam fecundando ainda, algumas já tinham nascido; virado pensamento. E outras estavam enrolando. Mas quase nenhuma chegara a ser emoção, apenas sensação. Fui ao terapeuta e ele disse que se eu não tirasse essas letras que estavam escondidas nos neurônios, se recusando a nascer, poderiam formar palavras mal ditas, ou pior, entupir as veias e dar algum problema maior.
Nesse mesmo dia me encantei por um menino, daqueles meninos que nos deixam com dúvidas. Eu parecia uma boneca de filme romântico, pena que minha pilha não acabou antes. Ele, extremamente atencioso e agradável fez questão de dizer que seríamos grandes amigos. Ele tinha gosto de pipoca doce, daquela parte que a gente se delicia lambendo os dedos, só quem se permite sabe. Ele falava e cantava empolgado e eu ria e agia de forma extravagante. Não sabia me comportar. Eu queria mesmo era dar um abraço e cuidar para sempre, ele queria dar um abraço e ir embora.
Naquele momento toda a minha vontade de foder também quis ir embora... saí correndo pra sala de terapia querendo saber como o meu corpo ousava em se contentar com apenas uma troca de olhar. Fui perguntado sobre pai, mãe, doenças, drogas, sonhos. E em nada ele me respondeu, e mesmo muito confuso lhe questionei: poderia eu vomitar as borboletas?...
Fui embora escutando umas músicas tristes, pois quem sabe assim as ruas se tornem mais agradáveis. No fundo eu estava feliz, mas a vida é tão bonita que chega a ser triste. Eu andava rápido, mas cambaleando, parecia um disco riscado rodando rapidamente em uma vitrola velha. Joguei pelos olhos toda bebida alcoólica que tinha entornado naquele dia. O menino me acha pela tecnologia e diz que quer me ver. Não necessariamente me ver, mas ficaria agradecido pela minha companhia naquele momento. E quem mais lhe daria tamanha atenção do que esta boneca ridícula que está em choque?
Fomos ao bosque do encantamento, a história parecia se repetir, mas dessa vez, como diria a cantora da mata; nossos olhares eram dengosos demais... A lua e sua reflexão solar nos comandavam, minhas letrinhas já não estavam mais escondidas em alguma área vascular do cérebro, todas as sensações vinham à razão e só uma se tornou emoção, diz meu terapeuta invisível que as emoções são letrinhas que fecundam e não se podem ler, são palavras que caem do cérebro e circulam perdidas pelo corpo, algumas conseguem escalar e voltar ao topo, outras não. Bom, agora eu tenho um amor abstrato, não sei ele, mas eu to cheio de palavras pelo corpo.


(Paulo Afonso S. da Silva)

terça-feira, 7 de abril de 2015

Noites de um verão qualquer

O corpo adormecido, a cabeça ainda em transe, o quarto pequeno abafado e úmido com o cheiro do sexo recém terminado

Dois corpos nus que atingiram o máximo de intimidade possível a dois seres humano, cada um deles tocou peles desconhecidas até para o próprio dono. Se embriagaram no êxtase e no suor alheio, se sentiram acolhidos no vai e vem de quadris e atiçados pelo peso da mão outra.
Entregues e sem se importar com o dono da saliva, do suor e das três lágrimas que descerem de olhos, o casal aproveitava o toque e o desafio de se importar mais com o outro corpo.
No clímax do encontro ele se tornaram unos, pensavam igual, sentiam o mesmo e fecharam os olhos ao mesmo tempo.

Mas quando o corpo cessou a tremedeira, a cabeça reiniciou e a janela foi aberta eles voltaram ao ponto em que eram completos desconhecidos, que sequer conseguiam achar algum terreno em comum para iniciar uma conversa.
Com os jeans vestidos e o cabelo porcamente arrumado trocaram dois beijos - ternos -, um abraço e saíram porta a fora.


<Augusto Nessuno>

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Uma nova paixão.

Ela acordou e viu o amor ao seu lado. O sol ainda estava nascendo em uma manhã fria e branca. A cama desarrumada, lençóis no chão, a lembrança de uma noite descrita em uma única palavra: feliz. Os sorrisos lançados foram incontáveis, a felicidade de estar finalmente com sua pessoa preferida no mundo inteiro não cabia dentro dela mesma. Se levantou e andou até o banheiro. Lavou o rosto, olhou no espelho e se viu mais linda do que nunca. Era a pessoa que queria ser desde sempre.

Era a mulher que queria ter desde sempre.

Em seu olhar, a delicadeza de alguém sem preocupações. As rugas de nervosismo que a vida lhe dera haviam sumido e as olheiras não existiam mais. As estrias no corpo não a incomodavam, nem as celulites. Ela se sentia linda e se aceitava por quem ela era. Com o dia, nascia uma nova mulher, que finalmente havia conseguido olhar para si mesma e não ver a mulher gorda que sempre disseram que ela era. Via agora um corpo lindo, um rosto alegre, as opiniões externas opressoras e machistas não importavam mais.

Ela estava feliz e se amava.

Nas suas curvas lindas e únicas, via sua sensualidade. Era uma sensação nova e era como se apaixonar, mas por si mesma. Não parava de sorrir. Olhava para a cama e se lembrava do que aconteceu, olhava para o amor dela que ficou deitado, em paz na cama. O beijou na testa e foi tomar um banho. Nele, reparava em cada detalhe nela mesma que ainda nunca havia valorizado. Se limpava e se descobria ao mesmo tempo.

Não tinha mais vergonha de andar nua, reconhecia e amava cada imperfeição do seu corpo. Era uma nova pessoa agora. Sabia disso. Via a prova disso no sorriso de seu rosto, que era lindo e espontâneo.
Saiu do banho e viu seu amor acordando. O corpo nu exibia curvas lindas e únicas, um sorriso inigualável. Se entreolharam por alguns momentos, se amando intensamente naquele gesto estático. Se aproximaram em passos lentos e calmos, com os pés descalços sentindo a transição do chão de madeira do quarto para o ladrilho do banheiro. A respiração era sincronizada, em uníssono e aumentava conforme os corpos começaram a se encostar e se sentir. Quando se encontraram, se beijaram intensamente.

O amor dela era ela mesma. A nova, maior e eterna paixão da vida dela.

By Vitor Murano

domingo, 5 de abril de 2015

Luz

Riso bom é aquele que ilumina. Riso que colore, riso que contagia, riso que ri, que diz por si. Rir! Só rir! Sorrir! Que não nos falte o riso, ainda que os obstáculos surjam, rir corrige tudo. Na hora do choro triste, que lembremos de um riso que nos faz feliz por existir, e na hora do choro feliz, que nos tornemos ainda mais felizes pelo o que há de vir. Rir! Só rir! Que a sua luz ilumine os nossos caminhos, que o teu sorrir seja espontâneo e de agradecimento, e se não encontrar motivos para agradecer, ria para atrair tudo o que mais deseja ter. Rir, só rir!!! Alegria contagia e faz de um sorriso moradia.

Me abrigue.


(Mariana Cortez)

sábado, 4 de abril de 2015

Almas-criança

Um moleque executado no morro, só mais um.
O Outro não vai ter a chance de ser reinserido na sociedade, só porque agora já fez 16 anos, e já que pode votar, pode encarar uma prisão. Só outra criança.
Teve um pivete que foi expulso de um centro comercial só porque pediu para comer sem pagar. Ele pediu. Apenas outra criança.
E já tivemos mais um executado na periferia enquanto você lia isso, e mais um.
De novo. Apenas outra criança.


Aos olhos daquela criança o mundo era belo, um campo de batalha, e a cada dia que ficava vivo, o menino sorria mais.
Mas agora, aquele brilho no olhar e o jeitão de criança não passam de uma lembrança pois, agora, outra criança foi executada, não com um tiro dessa vez, mas arrancaram-lhe a alma, impedindo que brincasse e fosse apenas uma criança.

Será essa a realidade que queremos?
Um mundo sem almas-criança.


(Clara Di Lernia)

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Minha criança

Nunca gostei muito da realidade,
Pois tenho aqui em meu interior
A alma de uma criança.
Mesmo que meu corpo pareça e esteja cansado
Minha alma esta sempre sedenta por aventuras,
As mais loucas e alucinantes que já se pôde imaginar.
Essa criança que habita o meu ser
Sempre da as caras quando a realidade se impõem
Dura e cruel a minha frente.
Com ela eu enfrento dragões, leões e até
Um trasgo montanhês adulto.
Cavalgo em um unicórnio em meio ao campo de lírios,
Atravesso arco-íris e crio novas constelações.
A única coisa capaz de afugentar
A criança que há em mim, é o medo da vida.




(Victória Sales)

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Eu choro toda vez que a luz da realidade me invade

porque as coisas não são como antes e sabe, a cada dia parece que morro um pouco mais. Mas eu não tenho coragem de terminar com tudo. Porque eu tenho medo da dor. E se as coisas são assim é porque a realidade é que eu sempre carreguei este medo comigo e outros medos também.

vez ou outra eu sonho que estou correndo em um corredor escuro e parece que o final nunca chega. Eu tenho torcido para que o final deste corredor do meu sonho esteja próximo. Eu tenho tentando advinhar o que vai acontecer daqui um dia, dois, um mês, um ano. E é muito difícil porque não me sobrou nada, nem um horizonte no qual eu possa fixar o meu olhar para seguir adiante.

Minha atitude tem sido continuar andando mesmo sem enxergar nada.

(Mayra Guanaes)

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Dos restos

 Não me sobrou nada
 O que tem em mim é um peso de 60 anos
 de amputações


 Eu choro toda vez que a luz da realidade me invade
 porque eu choro toda vez ao lembrar que envelheço

 A velhice chega quando a lembrança
 são lembranças,
 quando se é jovem só se pode lembrar uma única época,
 a infância

 Hoje só penso de como eu deveria ter desistido da vida
 para viver
 E digo: - jovens! Abandonem a vida...

 Pare de só ler,
 porque só não será nada
 Livro é para movimentar também,
 livrar-se do si que não é você

 Se era mais gostoso caminhar no sol comendo uma maçã,
 porque me vesti tanto (?)
 porque me apedrejei em torres de cimento;
 porque tantos papéis;
 porque acumulei objetos (?)

 Que caverna é essa que nunca saímos?

...

[Eu gritaria até meu pulmão cansar, mas nem fôlego me resta. Converso através de uma máquina e nesse momento ela me pede para aguardar enquanto o scanner está descendo, para minha morte ser perfeita só falta tocar uma música do Bowie de fundo...]

 Dos restantes finais nada me resta
 das lembranças que pesam só o amor valeria
 se ele um dia tivesse permanecido
 mas nem isso...

 E o que me resta, ir embora?
 Vou sentar...


(Paulo Afonso S. da Silva)