segunda-feira, 30 de março de 2015

Frágil

Ele acordara às 8h da manhã, horário em que entrava para trabalhar, mas quem liga? Só os funcionários subalternos precisam chegar no horário. Eles que batem ponto. Regras como essas não se aplicam para ele. Entrou no carro importado quase 9h30, ligando para o escritório e gritando com um gerente que questionou seu atraso, afinal, a empresa era dele, o gerente estava lá por causa dele, os funcionários tinham emprego por causa dele. Para um homem poderoso como ele, a Terra girava em torno do Sol por causa dele.

Você sabe quem eu sou?

No caminho, a mesma encheção de saco de sempre. Crianças vinham pedir dinheiro para ele, jovens limpavam seu para-brisa à força, adultos vendiam balas e faziam malabarismos. Isso não era trabalho, não era produtivo. Porque aquelas pessoas não estudaram quando tiveram chance? Ele vinha de uma família que não tinha nem empregada doméstica e, olha só, ele era um dos empresários mais bem-sucedidos do mundo! Se ele conseguiu, vindo de tão baixo, porque eles não conseguiam?

Você sabe o que eu fiz para chegar até aqui?

Ao chegar no escritório, quase 10h, ele era o mais poderoso. Passava pelas mesas, olhando todas as telas de computador e até gritando com um funcionário que saía do banheiro. Fazia isso porque podia, porque queria. Não ligava para ninguém ali, só para o copo de whisky e sua xícara de café que sua secretária – com quem traía sua mulher ocasionalmente – colocava caprichosamente na sua mesa, do lado de seu jornal. Seu médico já havia dito que seu fígado não aguentava mais álcool, mas como sobreviver com tantos incompetentes ao seu redor plenamente sóbrio?

Como ousa me questionar?

Todos falavam pelas suas costas que ele era o estereotipo de empresário arrogante, nojento, de pessoa ruim e chefe abusivo. Durante o expediente, se trancava na sala e fazia ligações. Era um homem comprometido com seu dinheiro, então trabalhava seriamente quando aparecia um problema. Era o único momento em que seu ego não aparecia. Claro que havia dias em que convocava uma reunião com sua secretaria e nenhum dos dois era visto pelo resto do dia, ou havia tardes em que demitia vários funcionários só por estar de mau-humor, mas havia dias de sorte em que ele se preocupava apenas com sua empresa, que era seu orgulho, sua maior conquista.

Quem é você, perto de mim?

Batendo 18h, armou suas coisas e viu seus funcionários fazendo o mesmo. Grande parte deles já estava indo para casa, batendo seus cartões e pegando os elevadores. Outros, no entanto, ficariam até mais tarde, mesmo sem receber hora-extra, mas sob ameaça de demissão se o tal presidente da empresa soubesse que algum problema não foi resolvido no mesmo dia em que apareceu. Chegando no estacionamento, ele abriu seu carro importado, beijou sua secretária e foi para casa.

Porque você está falando comigo?

Ao chegar em casa, a polícia, junto com os bombeiros, estavam em sua porta, com uma aglomeração atrás de uma fita de contenção. A mansão de quatro andares estava completamente queimada. O risco de desabamento era evidente e mesmo seus carros estavam destruídos. O delegado o avistou e deu voz de prisão: uma série de vídeos dele estuprando sua mulher e agredindo seus filhos e empregados foi jogada na internet. Era o circuito interno de sua casa.

Tire suas mãos de mim!

Sua esposa era a culpada pelo incêndio. Ela havia jogado todos aqueles vídeos na internet e, antes de ir embora, usou a gasolina dos tanques dos carros para queimar tudo que seu futuro ex-marido mais prezava. O preço da madeira não fez diferença na hora de se preservar contra o calor assassino do fogo, assim como a conta bancária não irá salvar aquele homem da prisão. Fez o que fez achando que era inatingível, que leis não se aplicariam a ele. Subestimou as pessoas ao seu redor,

Isso não pode estar acontecendo!

Não ligou para os que pediram sua ajuda no farol, não ligou para seus próprios funcionários ou mesmo para a própria família. Agora, preso e com todos seus bens confiscados, não era ninguém. Ninguém ligava para ele. Não tinha amigos, não tinha parentes, seus pais estavam quase exilados em Asilo, sua mulher e seus filhos haviam ido embora. Estava sozinho, enquanto via seus sonhos desaparecendo lentamente...


Quem sou eu?

By Vitor Murano