Estou com problema nas pálpebras; a cada piscada que meus olhos dão um moço aparece na escuridão do meu pensar...
Tirei cada palavra de trás do pensamento. Tinha umas letrinhas escondidas bem na raiz, estavam em uma artéria cerebral, elas estavam fecundando ainda, algumas já tinham nascido; virado pensamento. E outras estavam enrolando. Mas quase nenhuma chegara a ser emoção, apenas sensação. Fui ao terapeuta e ele disse que se eu não tirasse essas letras que estavam escondidas nos neurônios, se recusando a nascer, poderiam formar palavras mal ditas, ou pior, entupir as veias e dar algum problema maior.
Nesse mesmo dia me encantei por um menino, daqueles meninos que nos deixam com dúvidas. Eu parecia uma boneca de filme romântico, pena que minha pilha não acabou antes. Ele, extremamente atencioso e agradável fez questão de dizer que seríamos grandes amigos. Ele tinha gosto de pipoca doce, daquela parte que a gente se delicia lambendo os dedos, só quem se permite sabe. Ele falava e cantava empolgado e eu ria e agia de forma extravagante. Não sabia me comportar. Eu queria mesmo era dar um abraço e cuidar para sempre, ele queria dar um abraço e ir embora.
Naquele momento toda a minha vontade de foder também quis ir embora... saí correndo pra sala de terapia querendo saber como o meu corpo ousava em se contentar com apenas uma troca de olhar. Fui perguntado sobre pai, mãe, doenças, drogas, sonhos. E em nada ele me respondeu, e mesmo muito confuso lhe questionei: poderia eu vomitar as borboletas?...
Fui embora escutando umas músicas tristes, pois quem sabe assim as ruas se tornem mais agradáveis. No fundo eu estava feliz, mas a vida é tão bonita que chega a ser triste. Eu andava rápido, mas cambaleando, parecia um disco riscado rodando rapidamente em uma vitrola velha. Joguei pelos olhos toda bebida alcoólica que tinha entornado naquele dia. O menino me acha pela tecnologia e diz que quer me ver. Não necessariamente me ver, mas ficaria agradecido pela minha companhia naquele momento. E quem mais lhe daria tamanha atenção do que esta boneca ridícula que está em choque?
Fomos ao bosque do encantamento, a história parecia se repetir, mas dessa vez, como diria a cantora da mata; nossos olhares eram dengosos demais... A lua e sua reflexão solar nos comandavam, minhas letrinhas já não estavam mais escondidas em alguma área vascular do cérebro, todas as sensações vinham à razão e só uma se tornou emoção, diz meu terapeuta invisível que as emoções são letrinhas que fecundam e não se podem ler, são palavras que caem do cérebro e circulam perdidas pelo corpo, algumas conseguem escalar e voltar ao topo, outras não. Bom, agora eu tenho um amor abstrato, não sei ele, mas eu to cheio de palavras pelo corpo.
(Paulo Afonso S. da Silva)
(Paulo Afonso S. da Silva)