Me perguntavam qual foi a minha primeira experiência sexual e só depois de muito tempo de terapia consegui dizer realmente. Antes eu contava uma história inventada, uma história bonita. Eu contava sobre um moço bom que eu havia namorado e amado muito. Um moço tipo aqueles príncipes que aparecem em contos de fadas e histórias de prostitutas, um moço que havia aparecido para me tirar daquela vida.
E eu dizia: foi bom, foi bonito. Se eu gostei? Sim, gostei. Mas era mentira, essa história nem existia de verdade, e era justamente a verdade, com que eu não queria lidar. A história verdadeira era triste e era dela que eu sempre fugia nas conversas com as amigas no barzinho. Eu achava melhor contar qualquer outra coisa.
Por muito tempo eu achei que eu estava errada e ele certo. Que era assim mesmo, que os homens são assim, que a vida é bela e que eu devo relaxar. Não. Não devemos relaxar. A cada vez que relaxamos parece que morremos um pouco mais. A corda tá no pescoço e quando não prestamos atenção ela enforca.
Então um dia me meti numa dessas conversas em que a palavra empoderamento aparece muito e contei a minha história para as meninas ali presentes, acredite, havia meninos também que se sentiram tocados quando contei que a minha primeira experiência sexual não foi nem um pouco agradável, que eu tinha 11 e ele nem sei, 40?
Foi em algum dia de verão, eu passava férias na casa dos meus avós e nesse dia todos dormiam depois do almoço. Eu estava na sala deitada assistindo tv, meio sonolenta depois do almoço. Um tio distante vinha visitar meus avós, por algum motivo que eu desconhecia, não havia chegado até a hora do almoço, meus avós já não contavam mais com essa visita.
Adormeci na sala. Acordei com alguém passando a mão sobre as minhas pernas e quando abri os olhos, um homem que eu não conhecia tapou a minha boca e fez sinal de silêncio. Tentei gritar e me levantar do sofá mas ele mantinha meu corpo preso ao com as mãos. Ele era bem maior do que eu. E então ele abriu o zíper e começou a roçar seu membro em mim. Eu sentia vontade de vomitar e na medida em que eu tentava me soltar, ele fazia isso com mais força. Até que senti um liquido quente escorrendo em minhas coxas.
Ele foi embora com a mesma sutileza com que entrou.
Mais tarde tive que dividir a mesa do jantar com este senhor. Era o tio que os meus avós esperavam.
Eu contei para a minha vó o que havia acontecido, ela não acreditou, disse que eu estava mentindo. Os meus pais foram mais razoáveis, ouviram a minha história e me mandaram para um psicólogo. Este tio nunca mais foi mencionado, nem esta história. Por todas as coisas que eu ouvia, eu me sentia culpada. Por isso eu nunca contava a ninguém. Eu tinha medo de me culparem por algo que eu achava tão triste e doloroso.
Depois de muito tempo percebi que eu não tinha culpa de nada.
E na primeira vez que contei essa história, pensei que talvez fosse uma história comum, parecida com as histórias de outras meninas e mulheres. E então eu me senti menos sozinha.
(Mayra Guanaes)