sexta-feira, 13 de março de 2015

Enxergar

Eu podia ver, olhar as coisas
Que ocorriam ao meu redor,
Mas não enxergava
As amarras em meu corpo.
Não sentia o peso desse fardo
De não ser padrão.
Já fui escura demais pra ser branca,
Branca de mais pra ser preta,
Bruta demais pra uma menina,
Linda demais pra gostar de meninas,
Pobre demais pra ser doutora,
Gorda demais pra ser modelo,
Feia demais pra ser desejada,
Muito nova pra entender a vida,
Muito velha pra sonhar,
Eu já fui Maria, Joana, Clementina,
Clarice, Elenita, Luana, Zelinda,
Mas nunca eu.
Por não enxergar as amarras,
Os grilhões e não sentir as dores do açoite
Me julgava livre.
Eu pobre menina
Que não enxergava a verdade,
Não há liberdade quando se é preto!

(Victória Sales)