quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Fiz escalas em bares, estádios, cinemas e motéis



nos últimos dias pois este é o meu trabalho. Sou supervisora de uma empresa que cuida da limpeza dos lugares, aquela coisa de limpeza terceirizada. Alguém contrata a empresa, a gente coloca os funcionários nos estabelecimentos, e vez ou outra, nós da supervisão aparecemos para ver se está tudo bem, se os funcionários estão seguindo os valores da empresa, se ainda tem desinfetante, se estão desentupindo os buracos sem soda cáustica e outras coisas. A gente preza a autonomia porque não podemos ficar em cima dos funcionários o tempo todo. Pra esse ramo, tem que ser alguém que consegue trabalhar sozinho.

Por exemplo, tem a Antonia que trabalha muito bem e está tudo certo sempre quando vou visitá-la. Mas tem também o Walter que dá em cima das funcionárias com muita freqüência e sempre dá B.O. então já tive que deslocar o sujeito pelo menos quatro vezes.

Um dia desses eu estava fazendo a supervisão da limpeza de um bar de ricaço e um cantor estava ensaiando. Da copa dos funcionários ouvi uma música que falava assim, consegui guardar porque achei bonita e pedi ao meu marido que comprasse na barraquinha da feira:

Tá vendo aquele edifício moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Eram quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me chega um cidadão
E me diz desconfiado, tu tá aí admirado
Ou tá querendo roubar?
Meu domingo tá perdido
Vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar o meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer

Foi aí que eu lembrei de mim mesma. Eu ajudo na limpeza de todos esses lugares mas não freqüento nenhum deles fora do meu horário de serviço. Eu nunca fui convidada a entrar, pois então. Nunca ganhei um ingresso para o show deste cantor que estava ensaiando, nem pra ir no estádio ver o coringão, nem pra levar a minha filha no cinema e muito menos para pernoitar nesses motéis no dia dos namorados ou no meu aniversário de casamento.

E quando lembrei de mim mesma ao ouvir aquela música que o cantor estava ensaiando, aconteceu igual ao que o cantor dizia. Fiquei meio entristecida com vontade de beber.

Então fui até o balcão que estava abrindo para o show que começaria logo mais, pedi uma cerveja no fim daquela tarde e ouvi a música seguinte sentada no camarote enquanto os funcionários da limpeza do bar assinavam o ponto deles para que eu levasse para a central.

A música seguinte era bem mais animada e eu fingi que eu era VIP naquele show.

(Mayra Guanaes)