sábado, 11 de abril de 2015

     Aquela coceira estranha no antebraço o acompanhava há semanas, já não era possível só ignorá-la, ela fazia questão de estar ali, continuamente, a coçar, dia após dia.
     Usando toda sua concentração para superar aquela coceira, ele tomou banho, se arrumou, tomou aquele café amargo e foi mais uma vez para aquele trabalho - as vezes doce, outras mais amargo que o café que tanto gostava - e tudo isso só depois de coçar o braço que o incomodava.
     Durante o dia, não deixou de conversar com o amigo que estava em um dilema de friend zone, não perdeu a chance de mandar mensagem pra amiga que ia em uma entrevista de emprego, "o emprego que eu quero dessa vez!" como ela mesma dizia. A mãe havia ligado para falar que a orquídea tinha dado flor e estava linda, e que estava com saudades, ele entregou o job pendente e ainda ajudou o colega de trabalho na criação de outra peça publicitária. Mas a conceira continuava, o antebraço sempre incomodando por baixo da camisa de cetim.
     Saiu do expediente para o happy hour, coçou o braço. Pediu o chopp pro garçom, aquele com o qual se divertia na hora de conversar sobre a novela, mais uma leve coçada. Tomou aquele copo, como se fosse o último, foi para a casa do namorado, outra coçada no braço. Jantaram, riram, conversaram do dia, dividiram temores, tudo isso enquanto ele coçava o braço.
     Aquela irritação não passava, era constante e de leve, como se dizendo "oi, tô aqui! Pode seguir a vida, mas não me esquece". Ele já estava mais incomodado do que conseguia aguentar. Escreveu, em um papel que estava jogado na sala, um bilhete, e foi se deitar com o namorado.
     Ficou na porta do quarto por um tempo, apenas observando a respiração daquele com quem dividia tantas coisas, há tanto tempo. Olhando como era tranquilizante vê-lo dormir, e se inspirando na coragem dele. E foi ai que decidiu.
     Naquela noite ele sabia que seria o mal dito.
     Ele sabia que dessa vez ele seria aquele cara de quem ele tanto já reclamara na vida, aquele que não está lá na manhã seguinte.
     Mas ele sabia que era preciso, não era pra ser. Pegou sua camisa, sua chave, e deixou o bilhete em cima da mesa. Saiu sem olhar pra trás. Quando entrou no ônibus noturno foi que reparou, havia deixado a inquietude daquela coceira para trás também.

     No dia seguinte quando acordou e não encontrou ninguém na cama, o rapaz estranhou. Do rádio saia uma frase que indagava se as pessoas iriam fugir a melhor das lutas, e ele riu, pensou em quão sortudo era por seu companheiro não ser o covarde que fugia. Se levantou e foi tomar um copo d'água. Encontrou um bilhete na mesa, e uma coceira no braço.

(Clara Di Lernia)