segunda-feira, 16 de março de 2015

A Concha

Era uma vez um menino que vivia em uma concha.
Todos os dias ele acordava e a vestia, orgulhoso de como ela crescia todos os dias. Era uma concha resistente, que o protegia de qualquer um que tentasse fazer mal a ele. Qualquer um que se aproximasse logo percebia a enorme e majestosa proteção que o menino construíra ao redor dele. Ao sair na rua, o menino só se sentia seguro de verdade quando estava com a concha. Do contrário, qualquer um poderia ser uma potencial ameaça e ele suava frio toda vez que qualquer um falava com ele.

O menino tinha medo.

Em casa, seu ambiente preferido era o computador, aonde ele conhecia várias pessoas sem de fato ter o contato pessoal que ele odiava tanto. Com tantos quilômetros de distância entre ele e qualquer um de seus amigos virtuais, até mesmo os rompimentos eram muito mais fáceis, sem contato visual ou obrigação de conviver após uma briga. Era só deletar o contato que estava tudo bem. Dessa forma, nada poderia machuca-lo.

Ele não gostava de confrontos.

Ele chegava à idade de 15 anos, e era como um fantasma na escola. Ninguém o conhecia, poucas pessoas sequer reparavam na existência dele, e ele estava bem assim. A concha tinha esse efeito e ele gostava de ir e vir e ninguém ver. Dessa forma ele não precisava conviver com ninguém. Ele sabia que, se aproximava-se demais de alguém, corria o risco de ser machucado e não gostava dessa ideia. Gostava da segurança que só sendo sozinho conseguia. Não sentia falta dos amigos, da época que os tinha no ensino fundamental, não sentia falta da namorada que arranjara no fim do ano anterior e já tinha terminado com ela.

Isso até o dia em que conheceu um garoto diferente.

Nesse dia seu coração bateu mais rápido e sentiu vontade de sair da concha. Conheceram-se na fila do refeitório naquele mar de pessoas da escola pública superlotada em que estudavam e pela primeira vez em muito tempo, ele conversou com alguém e não se sentiu ansioso nem agitado. Não teve vontade de voltar para seu abrigo, estava confortável, estava feliz. Daquele dia em diante, estiveram juntos em todos os intervalos e conversaram e compartilharam os mais diferentes assuntos.

Quando finalmente saiu da concha, o menino se descobriu outra pessoa.

Durante meses, o menino e seu novo amigo ficaram muito próximos, andavam sempre juntos na escola e fora dela, conheceram os pais um do outro e até já haviam dormido no mesmo quarto, um na cama e outro no chão, conversando durante toda a madrugada. Mas parecia que não era suficiente. Parecia que eles estavam querendo algo mais e que a amizade não era suficiente para seus corações.

O menino e seu amigo estavam apaixonados.

A conclusão veio com o tempo e veio naturalmente como o dia após a noite. As mãos relutantes que gostavam de se tocar, inseguras e incertas do que faziam, passaram a compartilhar um aperto firme de dedos entrelaçados. Os abraços rápidos ficaram longos e cheios de afeto. Com o tempo, os meninos jovens e inexperientes começaram a gostar da ideia de amar um ao outro e ainda virgens do pensamento intolerante do mundo, deram seu primeiro beijo no pátio da escola, para todos verem e sem nenhuma preocupação do que os outros iriam pensar.

Aquele lindo casal não tinha medo de ninguém.

As dificuldades e intolerâncias ficaram pequenas diante do que aquele casal se tornou. As conchas se quebraram e eles passaram a significar alguma coisa para as pessoas ao seu redor. Muitos os apoiaram e eles fizeram amizades fortes com essas pessoas, o que era algo inédito na vida daquele adolescente que há poucos meses era apenas um menino inseguro em uma concha. As pessoas intolerantes e que eram contra aquele amor tentaram, ameaçaram, ofenderam, mas só conseguiram latir. Mal foram percebidas pelo menino e seu novo namorado. Aquele amor o fez sair de sua proteção de medo e insegurança, aquele amor o mudou e o fez se redescobrir como pessoa e redescobrir seus afetos.

O menino da concha estava feliz e nada mais importava.

By Vitor Murano