Era uma vez um menino que vivia em uma concha.
Todos os dias ele acordava e a vestia, orgulhoso de como ela
crescia todos os dias. Era uma concha resistente, que o protegia de qualquer um
que tentasse fazer mal a ele. Qualquer um que se aproximasse logo percebia a
enorme e majestosa proteção que o menino construíra ao redor dele. Ao sair na
rua, o menino só se sentia seguro de verdade quando estava com a concha. Do
contrário, qualquer um poderia ser uma potencial ameaça e ele suava frio toda
vez que qualquer um falava com ele.
O menino tinha medo.
Em casa, seu ambiente preferido era o computador, aonde ele
conhecia várias pessoas sem de fato ter o contato pessoal que ele odiava tanto.
Com tantos quilômetros de distância entre ele e qualquer um de seus amigos
virtuais, até mesmo os rompimentos eram muito mais fáceis, sem contato visual
ou obrigação de conviver após uma briga. Era só deletar o contato que estava
tudo bem. Dessa forma, nada poderia machuca-lo.
Ele não gostava de confrontos.
Ele chegava à idade de 15 anos, e era como um fantasma na
escola. Ninguém o conhecia, poucas pessoas sequer reparavam na existência dele,
e ele estava bem assim. A concha tinha esse efeito e ele gostava de ir e vir e
ninguém ver. Dessa forma ele não precisava conviver com ninguém. Ele sabia que,
se aproximava-se demais de alguém, corria o risco de ser machucado e não
gostava dessa ideia. Gostava da segurança que só sendo sozinho conseguia. Não
sentia falta dos amigos, da época que os tinha no ensino fundamental, não
sentia falta da namorada que arranjara no fim do ano anterior e já tinha
terminado com ela.
Isso até o dia em que conheceu um garoto diferente.
Nesse dia seu coração bateu mais rápido e sentiu vontade de
sair da concha. Conheceram-se na fila do refeitório naquele mar de pessoas da
escola pública superlotada em que estudavam e pela primeira vez em muito tempo,
ele conversou com alguém e não se sentiu ansioso nem agitado. Não teve vontade
de voltar para seu abrigo, estava confortável, estava feliz. Daquele dia em diante,
estiveram juntos em todos os intervalos e conversaram e compartilharam os mais
diferentes assuntos.
Quando finalmente saiu da concha, o menino se descobriu
outra pessoa.
Durante meses, o menino e seu novo amigo ficaram muito
próximos, andavam sempre juntos na escola e fora dela, conheceram os pais um do
outro e até já haviam dormido no mesmo quarto, um na cama e outro no chão,
conversando durante toda a madrugada. Mas parecia que não era suficiente.
Parecia que eles estavam querendo algo mais e que a amizade não era suficiente
para seus corações.
O menino e seu amigo estavam apaixonados.
A conclusão veio com o tempo e veio naturalmente como o dia
após a noite. As mãos relutantes que gostavam de se tocar, inseguras e incertas
do que faziam, passaram a compartilhar um aperto firme de dedos entrelaçados.
Os abraços rápidos ficaram longos e cheios de afeto. Com o tempo, os meninos
jovens e inexperientes começaram a gostar da ideia de amar um ao outro e ainda
virgens do pensamento intolerante do mundo, deram seu primeiro beijo no pátio
da escola, para todos verem e sem nenhuma preocupação do que os outros iriam
pensar.
Aquele lindo casal não tinha medo de ninguém.
As dificuldades e intolerâncias ficaram pequenas diante do
que aquele casal se tornou. As conchas se quebraram e eles passaram a
significar alguma coisa para as pessoas ao seu redor. Muitos os apoiaram e eles
fizeram amizades fortes com essas pessoas, o que era algo inédito na vida
daquele adolescente que há poucos meses era apenas um menino inseguro em uma
concha. As pessoas intolerantes e que eram contra aquele amor tentaram,
ameaçaram, ofenderam, mas só conseguiram latir. Mal foram percebidas pelo
menino e seu novo namorado. Aquele amor o fez sair de sua proteção de medo e
insegurança, aquele amor o mudou e o fez se redescobrir como pessoa e
redescobrir seus afetos.
O menino da concha estava feliz e nada mais importava.
By Vitor Murano
By Vitor Murano