terça-feira, 31 de março de 2015

Oração 2.0

Capital nosso que estás investido

Nos dê hoje uma margem de lucro boa
o suficiente para que possamos aumentar
Os investimentos amanhã.

Venha a nós a mão de obra barata
Que desconhece seus direitos e
Trabalha até mais tarde por no máximo
Banco de horas.

Bendito sejam os estagiários que salvam
Nossas vidas em troco de um contrato sem
menor garantia
O pão nosso de cada dia nos dai hoje

Perdoais nossos arrochos, demissões em
massa e sonegação de impostos

Assim como nós perdoamos a quem nos
tenha respondido torto ou ousado não
saber quem éramos

E não nos deixei entrar em bancarrota

Mas livrai-nos do fisco.




Amém.




<Augusto Nessuno>

segunda-feira, 30 de março de 2015

Frágil

Ele acordara às 8h da manhã, horário em que entrava para trabalhar, mas quem liga? Só os funcionários subalternos precisam chegar no horário. Eles que batem ponto. Regras como essas não se aplicam para ele. Entrou no carro importado quase 9h30, ligando para o escritório e gritando com um gerente que questionou seu atraso, afinal, a empresa era dele, o gerente estava lá por causa dele, os funcionários tinham emprego por causa dele. Para um homem poderoso como ele, a Terra girava em torno do Sol por causa dele.

Você sabe quem eu sou?

No caminho, a mesma encheção de saco de sempre. Crianças vinham pedir dinheiro para ele, jovens limpavam seu para-brisa à força, adultos vendiam balas e faziam malabarismos. Isso não era trabalho, não era produtivo. Porque aquelas pessoas não estudaram quando tiveram chance? Ele vinha de uma família que não tinha nem empregada doméstica e, olha só, ele era um dos empresários mais bem-sucedidos do mundo! Se ele conseguiu, vindo de tão baixo, porque eles não conseguiam?

Você sabe o que eu fiz para chegar até aqui?

Ao chegar no escritório, quase 10h, ele era o mais poderoso. Passava pelas mesas, olhando todas as telas de computador e até gritando com um funcionário que saía do banheiro. Fazia isso porque podia, porque queria. Não ligava para ninguém ali, só para o copo de whisky e sua xícara de café que sua secretária – com quem traía sua mulher ocasionalmente – colocava caprichosamente na sua mesa, do lado de seu jornal. Seu médico já havia dito que seu fígado não aguentava mais álcool, mas como sobreviver com tantos incompetentes ao seu redor plenamente sóbrio?

Como ousa me questionar?

Todos falavam pelas suas costas que ele era o estereotipo de empresário arrogante, nojento, de pessoa ruim e chefe abusivo. Durante o expediente, se trancava na sala e fazia ligações. Era um homem comprometido com seu dinheiro, então trabalhava seriamente quando aparecia um problema. Era o único momento em que seu ego não aparecia. Claro que havia dias em que convocava uma reunião com sua secretaria e nenhum dos dois era visto pelo resto do dia, ou havia tardes em que demitia vários funcionários só por estar de mau-humor, mas havia dias de sorte em que ele se preocupava apenas com sua empresa, que era seu orgulho, sua maior conquista.

Quem é você, perto de mim?

Batendo 18h, armou suas coisas e viu seus funcionários fazendo o mesmo. Grande parte deles já estava indo para casa, batendo seus cartões e pegando os elevadores. Outros, no entanto, ficariam até mais tarde, mesmo sem receber hora-extra, mas sob ameaça de demissão se o tal presidente da empresa soubesse que algum problema não foi resolvido no mesmo dia em que apareceu. Chegando no estacionamento, ele abriu seu carro importado, beijou sua secretária e foi para casa.

Porque você está falando comigo?

Ao chegar em casa, a polícia, junto com os bombeiros, estavam em sua porta, com uma aglomeração atrás de uma fita de contenção. A mansão de quatro andares estava completamente queimada. O risco de desabamento era evidente e mesmo seus carros estavam destruídos. O delegado o avistou e deu voz de prisão: uma série de vídeos dele estuprando sua mulher e agredindo seus filhos e empregados foi jogada na internet. Era o circuito interno de sua casa.

Tire suas mãos de mim!

Sua esposa era a culpada pelo incêndio. Ela havia jogado todos aqueles vídeos na internet e, antes de ir embora, usou a gasolina dos tanques dos carros para queimar tudo que seu futuro ex-marido mais prezava. O preço da madeira não fez diferença na hora de se preservar contra o calor assassino do fogo, assim como a conta bancária não irá salvar aquele homem da prisão. Fez o que fez achando que era inatingível, que leis não se aplicariam a ele. Subestimou as pessoas ao seu redor,

Isso não pode estar acontecendo!

Não ligou para os que pediram sua ajuda no farol, não ligou para seus próprios funcionários ou mesmo para a própria família. Agora, preso e com todos seus bens confiscados, não era ninguém. Ninguém ligava para ele. Não tinha amigos, não tinha parentes, seus pais estavam quase exilados em Asilo, sua mulher e seus filhos haviam ido embora. Estava sozinho, enquanto via seus sonhos desaparecendo lentamente...


Quem sou eu?

By Vitor Murano

domingo, 29 de março de 2015

Michael, eles não ligam pra gente

Nos pedem honestidade e roubam até não caber mais em suas meias, exigem respeito e nos olham com desprezo, prometem tanto e nada cumprem. "O que ainda te impressiona?! É o esperado!" NÃO! Não pode ser! Não pode ser que aquelas palavras que tanto ouvi dos meus pais na infância não tenham sido ditas para eles, também. Não pode ser verdade que seus corações não se encham de dor ao ver a morte prematura de um pobre trabalhador, não, não é possível que possam tanto e, ainda assim, prefiram não fazer nada diante do ronco da barriga de uma criança faminta. Michael, eles não ligam pra gente. Quem os ensinou? Onde estão seus pais? E a empatia? E a verdade? Procura-se tudo isso. E mais. Procura-se o lado humano do ser. Procura-se o cuidado no tato. Não, ganância não! Só precisamos de amor! E alma. Michael, eles não ligam pra gente. Como podem não se preocupar, não se sensibilizar? Há tanta beleza no mundo, mas eles estragam tudo! Me tranca a garganta saber que se eu gritar, podem vir me calar. Eu só queria entender.. Porque.. Porque eles não ligam pra gente? Pra gente! Gente! Eles são gente como a gente! Michael, não adianta, eles não ligam pra gente.



(Mariana Cortez)

sábado, 28 de março de 2015

Não me calarão
nem tão pouco,
mudarão minha opinião.

Tô vendo aquela senhora subindo o morro, com o oco no coração
E tem também o pivete, correndo que nem doido, pra não pensar na prisão
Ali do lado, tá a moça do sindicato, com o microfone na mão
E o Seu Toninho, não pode deixar faltar o pão
Na rua do lado, o que não passa é o busão
E a rua de cima, disputa o campeonato, de futebol de sabão

A minha opinião?
Tem muita coisa errada nesse mundão!
Mas quem disse que isso acaba com a coragem da população?
Nós somos mais fortes que qualquer opressão.

Achei que fosse enredo de filme, daqueles com várias personagens, e a protagonista vai vendo o que se passa na cidade.
Mas não era filme não.
Era só mais uma volta do trabalho, na hora que o sol se põe, e o rapaz - talvez moça, quem sabe criança - olhava pra fora do busão, 
ouvindo a música, na voz de Nara Leão, aquela mesma, que diz sobre mudar… 


(Clara Di Lernia)

sexta-feira, 27 de março de 2015

É agora José!

Que loucura é essa
Lançar seus irmãos a própria sorte
Lhes dizendo que foi culpa dele?
Onde estás com a cabeça José?
Ele tava lutando por você camarada!
José,
Quando gritamos greve 
Pra você é a morte,
Mas é também por você que lutamos.
Pode me dizer que é loucura continuar,
Pode me bater, humilhar e ameaçar, 
Pode tentar o quanto quiser.
Mas alto ei de bradar.
Enquanto houver opressão,
Enquanto houver ao meu lado alguém 
Com o mesmo brilho no olhar,
Aquele brilho que diz:
"Ainda da pra lutar"
Lhes direi: 'Avante camarada'
Seguiremos de mãos dadas ou não
Lutando, acreditando e bradando
"Eu existo e não me calarão"


(Victória Sales)

quinta-feira, 26 de março de 2015

Amanhecer nunca foi fácil

Depois de uma derrota é pior.
A impressão que eu tenho é que o tempo nos faz bem. Fecha e cicatriza algumas feridas e depois de um tempo estas feridas tornam-se menos importantes porque outras feridas hão de se abrir e novos curativos tornam-se necessários.

Eu já precisei de muitos curativos. Mas depois de cair tanto, meu corpo já está tão cheio de cortes e escoriações que parecem não doer tanto debaixo de um banho quente.

Eu nunca fui derrotada com a cabeça tão erguida. Devia ser o cansaço, o excesso do café, talvez.

Eu já participei de muitas assembleias. Eu voltei para casa contente depois de algumas delas. Já voltei triste depois de algumas outras também. Talvez fosse para voltar para casa triste depois da assembleia desta terça mas até que eu não estava tão triste assim.

Estávamos em 700 mais ou menos. E há algum tempo que isso não acontecia mas eu fiz parte da minoria, do lado que perdeu. É duro.

Mas a política não é o fla flu.

E eu não ligo de perder quando o jogo é limpo e eu achei que a última assembleia em que eu compareci, foi limpa. Democrática como todo assembleia deveria ser. Eu vi olhares éticos, eu troquei olhares de cumplicidade com pessoas com quem eu jamais poderia pensar que isso pudesse acontecer.

É difícil explicar de onde as afinidades surgem porque elas aparecem dos lugares mais subjetivos. Eu me arriscaria a dizer que elas surgem do prosaico, como o início de um conversa que parece que não vai dar em nada como quando perguntas que horas são ou pedimos um isqueiro emprestado.

A postura, a presença, o olhar, aproximam. Um assunto, uma pauta também.

Eu acho muito bonito quando apesar das divergências ainda é possível dialogar.

As coisas poderiam ser diferentes mas acredite...tudo já foi muito pior.

(Mayra Guanaes)

quarta-feira, 25 de março de 2015

Sem título

Amanhecer nunca foi fácil
mas hoje estava especialmente cruel
para Julieta

Ela acordara triste por mais um amor que não foi
O primeiro vivido em sua juventude, era impedida pelos pais de se aproximar do mocinho.
No segundo foi usada, era um cabra que lhe arrancara transpirações sem suspiros
O terceiro lhe deu coragem para viver, mas ele próprio não tinha coragem de se envolver
tão moderno que não era humano

Mentira! Tentei criar Julieta e falar de amor ou coisa parecida
mas hoje não estou bem, amanhecer nunca foi tão difícil
passei o dia com gosto amargo na boca, masquei chiclete o dia inteiro para disfarçar
pra mim mesmo, mas agora escrevendo não consegui

O chiclete endureceu junto com a vida

Não estou morando em mim hoje
Não tem mãe, nem pai
nem amigo, nem lar
nem sol hoje veio me visitar
E desculpe, estou sem graça
sem fome, sem palavras

(sem assinatura tbm..tá! é o Paulo)

terça-feira, 24 de março de 2015

Passageiro Escolhido

                Desde cedo ele aprendeu o que uma promessa não cumprida trás intrínseca a si. Vindo de um lar desconstruído por falsos acordos passou manhãs sentado esperando por pessoas que não apareceriam e tardes cobrando atenção de pessoas que não poderiam satisfazê-lo. Viu gargalhadas serem lançadas graças à mentiras contadas e lágrimas escorrerem pelo exato mesmo motivo. Viveu todas as traições e presenciou todas as deixadas na mão que só a juventude é capaz de entregar e por isso desde que se entendeu responsável por seus atos se forçou a só se comprometer com o que acreditava poder cumprir.
                Levou isso tão a sério que afastou amizades, perdeu empregos, levou tapas, chutes, socos e mesmo assim se manteve fiel a esse seu ideal. O mais recente dessa saga de reveses se deu no fim do ano, após uma particularmente traumática tentativa de construir uma vida a dois onde ambos só causaram falsas esperanças e traíram todos os pactos entre eles. Mas o tempo e as mágoas passam, assim como a dor e o medo. E no auge do torpor vindo de um pós amor eis a seguinte cena:

                Ônibus cheio, ele em pé lendo um livro não muito interessante que segurava com apenas uma mão enquanto a outra estava agarrada à barra com a mochila deixando marcas no antebraço. Ao perceber isso, a garota que estava sentada mais próxima a ele se propõe a segurar sua bolsa e o garoto ao reparar no rosto daquela jovem sente quase que imediatamente um calor tomar-lhe as bochechas e sem graça aceita a cortesia, e se antes o livro já não era interessante agora ele sequer faz sentido. Entre olhares para as letras e olhares – cada vez mais longos – para aquele rosto, ele vai prestando cada vez mais atenção aos detalhes que o conjunto de genes entregou para aquela garota. Era sem dúvida uma das meninas mais bonitas que ele já tinha visto, cabelos castanhos presos em um simples rabo de cavalo mas que permitia que algumas mechas caíssem pelo rosto branco, quase pálido na verdade, sem nenhuma marca de nascença a não ser um pequeno ponto branco logo acima da covinha esquerda do sorriso. Eles estavam trocando sorrisos. E olhos azuis dela se tornavam ainda mais translúcidos com as rugas do sorriso, ele estava preso naqueles olhos. E ao perceber isso fugiu rapidamente para o livro, mas toda vez que tenta se concentrar em alguma letra ele se via lembrando de algum detalhe que ele talvez tenha deixado passar naquele rosto. Ao buscá-la com os olhos algumas vezes ela também está olhando, em outras mexendo no celular e em uma única escrevendo. Ao chegar no seu ponto ele teve que dar tudo de si para ser capaz de pedir a bolsa de volta, agradecer e perder aqueles olhos de vista.

                Chegando em cada ao mexer na bolsa ele acha um bilhete com um nome e um número de telefone. Com as mãos tremendo ele busca o isqueiro no bolso e queima o papel até o nome e toda a sequência de números desaparecer. Ele solta as cinzas no chão e sai para fumar um cigarro pensando na lista que fez em dezembro para o ano novo e cujo primeiro tópico era não se envolver com ninguém.


<Augusto Nessuno>

segunda-feira, 23 de março de 2015

Ano novo fora de época.

Era seu vigésimo-quarto aniversário. Neste dia, ela prometeu várias coisas para ela mesma.

Primeiro de tudo: ela prometeu nunca mais ficar quieta para qualquer abuso que sofria no trabalho e na faculdade. As coisas haviam chegado em um ponto em que até as pessoas que ela chamava de amigos  faziam piadas com coisas que a machucavam, sobre seu cabelo cacheado, sobre sua origem, e, até um tempo atrás, sobre seu peso (ela fez um regime para se livrar disso).

Segundo: Encontraria tempo para ela mesma. Diante de tantas coisas para fazer, ela precisava se acalmar e parar de colocar as prioridades profissionais na frente das pessoais. Não lembrava mais a última vez em que sentara para conversar com seus pais ou até mesmo outras pessoas da família, de tanto que havia exigido de si mesma no último ano. Ela não lembrava sequer a última vez que havia se divertido.

Terceiro: Não desistiria mais de seus sonhos. O tempo inteiro, as pessoas se acomodam em empregos que não gostam simplesmente por tornar a vida mais fácil. Ela não queria isso. Iria até o fim com seus projetos, com seus sonhos, porque aquilo era o que definia boa parte dos seus amores, da sua personalidade. Diferente dos demais ao seu redor, ela queria trabalhar ajudando as pessoas, usando seu tempo para fazer diferença na vida de alguém, e não desistiria disso só porque ganharia menos do que poderia.

Quarto: Restringiria seu círculo social. Não adianta manter ao seu lado, pessoas que não querem seu bem. Muitas das suas amizades eram feitas em festas ou em grupos de trabalho, mas eram relacionamentos de conveniência. Não faltava companhia para ela poder sair para as festas ou no dia-a-dia da faculdade, mas a cada 10 pessoas que ela conhecia assim, às vezes não havia uma que realmente esteve ao seu lado em um momento de necessidade. Essas pessoas não fariam falta na vida dela, e era melhor que não estivessem lá.

Quinto: Amaria, acima de tudo, a si mesma. Não há pessoa mais importante na sua vida do que você mesmo. É de quem você deve cuidar mais, porque mesmo que você se odeie com todas as forças, nunca vai conseguir se livrar de si mesmo. Por isso, ela queria poder olhar para si mesma e se amar, se achar bonita, encontrar sua sensualidade e, principalmente, se empoderar de sua vida sexual. Ninguém mais conseguiria tirar isso dela. Primeiro, ela prometeu nunca mais aceitaria se rebaixar por qualquer pessoa, seja homem ou mulher, agora, ela se incluiu nessa regra.

Com essas cinco promessas, qualquer pessoa pode ser mais feliz. São coisas simples que nos impedem de ficarmos acomodados com a “vida que todos têm”, e todo aquele estereotipo individualista da cidade grande. Com mais amor-próprio e mais tempo para si mesmo, a vida fica mais leve, mais simples. A melhor promessa de ano novo que qualquer um pode fazer (e por ano novo, eu digo em qualquer momento do ano em que você queira recomeçar sua vida e repensar suas atitudes.) é pegar leve consigo mesmo, se amar mais, perdoar e deixar ir qualquer pessoa que tenha feito mal na sua vida.


By Vitor Murano Pereira

domingo, 22 de março de 2015

Amanhãserá


Mesmo que eu não veja resultados, continuarei a procurar

Ainda que seja tarde, pra mim cedo será

Mesmo que o mundo me cobre, o meu ritmo eu vou ditar

Porque os sonhos são meus, e, também, o tempo para realizar

Se um dia me faltar a fé, eu cavo em mim até encontrar

Só não me deixo desistir, porque amanhã

Amanhecerá.




(Mariana Cortez)

sábado, 21 de março de 2015

Hora de parar

Foi preciso que aquela menina tivesse um filho para diminuir seu passo. Não que educar uma criança fosse algo que lhe permitia muito tempo livre ou uma calmaria na vida, mas foi nesse momento que ela aprendeu a não correr.
Foi naquela época, quando a criança ainda anda cambaleando, e depois dá passos curtos que mal acompanham o andar de um adulto, que ela - agora já uma mulher - começou a andar devagar. O filho ditava o ritmo da sua vida naquele momento, não era mais uma correria entre reuniões - quer dizer ainda era isso também - mas quando estava com seu filho, o ritmo quem dava era ele, e isso influenciava sua velocidade pro resto de suas ações pessoais.
Era como uma equação inversamente proporcional, quanto mais devagar aprendia a andar com seu filho, mais rápido seu coração batia. Ela aprendeu que aqueles pedidos do trabalho, que surgiam no meio da madrugada, não eram questões de vida ou morte e podiam esperar o dia seguinte, aprendeu que as ruas não são corredores sem cores e sim espaços de convivência - e com cores diversas -, desaprendeu a atravessar as ruas com aquele ritmo insano, conheceu novos lugares na cidade - a maioria que agradasse o público infantil.
Ela amadureceu, e viu em seu filho, já crescido, aquele frescor da juventude, aquela necessidade de fazer tudo ao mesmo tempo e não perder um minuto sequer, viu em seu filho aquele andar rápido que um dia ela já tivera. 
Até que chegou o momento dela ver seu garoto - agora já um homem - aprender a desacelerar o passo, com seu próprio filho. Quando ela viveu isso, quando foi avó, pôde diminuir seus próprios passos de forma que fez seu coração alcançar um ritmo tão alto que a equação estava completa, era hora de parar.

(Clara Di Lernia)

sexta-feira, 20 de março de 2015

A cada segunda

Desde de o inicio do ano
Ela salta sorridente da cama todas as segunda.
Não há tempo rim,
Chuva, enchente ou ventania,
Pra ela toda segunda é dia de Maria.
Dia de ver e tocar
Seu sonho materializado,
Sentimento palpável.
Segundas-feiras nunca foram tão lindas.
Segundas de sorrisos e alegrias,
Amores, poesias, cantigas, rodas
Prosas, promessas de outras segundas.
Segundo o compasso dos teu passos
Ela vê que seu inicio de semana
Ficam menos fechados,
Pois quanto mais você diminui o passo
Mais rápido é o compasso do coração da menina.
Claro que  nem para todos a segunda é de poesia,
Mas para ela era
E a unica clareza que ela tinha
Era a de que hoje aos seus olhos
Todas as segundas-feiras seriam ao seu lado.

(Victória Sales)

quinta-feira, 19 de março de 2015

Querido Daniel

Este texto é sobre você, é sobre abrir o coração e conhecer o outro. É sobre, inclusive, se encantar pelo outro. É sobre se inspirar. É sobre o afeto.

Foi numa segunda-feira em que te vi pela primeira vez. Lembro bem, você chegou atrasado, muito animado para uma segunda-feira de manhã, você gritou um "aeeee" e disse que era do Itaim Paulista e do teatro. E eu pensei, "quisera eu ter toda essa energia logo pela manhã".

Você gritou esse "aeeeee" muitas vezes e confesso que algumas vezes achamos inadequado mas quem sou eu para falar de adequação? Ninguém, obviamente.

Tenho observado a minha própria recepção diante de todos os "aeeee"s e percebi que hoje todos esses "aeeee"s são um agrado para os meus ouvidos. E acho até que para os ouvidos dos outros também.
Me pareceu uma questão de costume, de olhar mais atentamente para o que está perto e ficar encantada.
Em tempos difíceis sua alegria das manhãs de segunda me consolam, aquecem o meu coração. E eu me sinto acolhida pela sua energia cativante. E quando os tempos não estão tão difíceis também.

Um dia estávamos organizando os livros de uma emissão. Achamos um livro muito colorido que achamos muito bonito. Vimos o título e era "O que dizem os umbigos". Olha! É o livro do Dani!
E então lemos a sua poesia que estava ali e guardamos aquela sensação reconfortante para o resto do dia.

A sua presença é reconfortante, e sinto que o seu abraço é cheio de afeto, de verdade. E diante disso, só gratidão por cada  vez que me sinto comtemplado por um abraço e um sorriso seu.

Você é bom na poesia e eu pensei nisso ao escrever essa prosa. Mas acho que a partir de você, tudo fica mais poético.

(Mayra Guanaes)

quarta-feira, 18 de março de 2015

Selfie Poesia


                                                                 Acalanto-te
                                                                        às
                                                               segundas-feiras
                                                                 Lembro-te
                                                                 ou melhor
                                                                Recordo-te
                                                                  às terças
                                                          quarta-te ou quinta-te
                                                             enquanto sêxta-se
                                                                 sábado-tem
                                                          No domingo também

                                                

                                                                    Encanto
                                                                que encontro
                                                                  no espanto
                                                                  de dentro
                                                                   e direto
                                                                  do centro
                                                                  ou de meu
                                                                    Recanto

                                                            E com esta selfie
                                                        da última noite de verão
                                                    não penso na próxima estação
                                                           minha velha solidão!


                                                                                          (Paulo Afonso S. da Silva)


terça-feira, 17 de março de 2015

Jornada

No fim da tarde quando o sol e a temperatura cai
eu sinto medo de que tudo termine e eu seja só isso
No alvorecer, quando o frio é congelante
eu me forço a lembrar que não gosto de confrontos.


Durante o dia, quando o sol já faz sua função
eu vejo e quero conhecer pessoas diferentes
Em algum momento em que o dia está a pino
decido ser outra pessoa, me descobrir.


No momento do mormaço, com o corpo suado
encontro paixões entre pessoas que não mais verei
Entre braços, cabeças e pouco ar
uma recíproca me deixa sem medo


Nesse momento estou feliz e
faço de conta que não tenho peso
Mas o sol baixa e a temperatura cai
e no fim eu sou só isso.

<Augusto Nessuno>

P.S.: Com trecho da música Wish You Were Here do Incubus.

segunda-feira, 16 de março de 2015

A Concha

Era uma vez um menino que vivia em uma concha.
Todos os dias ele acordava e a vestia, orgulhoso de como ela crescia todos os dias. Era uma concha resistente, que o protegia de qualquer um que tentasse fazer mal a ele. Qualquer um que se aproximasse logo percebia a enorme e majestosa proteção que o menino construíra ao redor dele. Ao sair na rua, o menino só se sentia seguro de verdade quando estava com a concha. Do contrário, qualquer um poderia ser uma potencial ameaça e ele suava frio toda vez que qualquer um falava com ele.

O menino tinha medo.

Em casa, seu ambiente preferido era o computador, aonde ele conhecia várias pessoas sem de fato ter o contato pessoal que ele odiava tanto. Com tantos quilômetros de distância entre ele e qualquer um de seus amigos virtuais, até mesmo os rompimentos eram muito mais fáceis, sem contato visual ou obrigação de conviver após uma briga. Era só deletar o contato que estava tudo bem. Dessa forma, nada poderia machuca-lo.

Ele não gostava de confrontos.

Ele chegava à idade de 15 anos, e era como um fantasma na escola. Ninguém o conhecia, poucas pessoas sequer reparavam na existência dele, e ele estava bem assim. A concha tinha esse efeito e ele gostava de ir e vir e ninguém ver. Dessa forma ele não precisava conviver com ninguém. Ele sabia que, se aproximava-se demais de alguém, corria o risco de ser machucado e não gostava dessa ideia. Gostava da segurança que só sendo sozinho conseguia. Não sentia falta dos amigos, da época que os tinha no ensino fundamental, não sentia falta da namorada que arranjara no fim do ano anterior e já tinha terminado com ela.

Isso até o dia em que conheceu um garoto diferente.

Nesse dia seu coração bateu mais rápido e sentiu vontade de sair da concha. Conheceram-se na fila do refeitório naquele mar de pessoas da escola pública superlotada em que estudavam e pela primeira vez em muito tempo, ele conversou com alguém e não se sentiu ansioso nem agitado. Não teve vontade de voltar para seu abrigo, estava confortável, estava feliz. Daquele dia em diante, estiveram juntos em todos os intervalos e conversaram e compartilharam os mais diferentes assuntos.

Quando finalmente saiu da concha, o menino se descobriu outra pessoa.

Durante meses, o menino e seu novo amigo ficaram muito próximos, andavam sempre juntos na escola e fora dela, conheceram os pais um do outro e até já haviam dormido no mesmo quarto, um na cama e outro no chão, conversando durante toda a madrugada. Mas parecia que não era suficiente. Parecia que eles estavam querendo algo mais e que a amizade não era suficiente para seus corações.

O menino e seu amigo estavam apaixonados.

A conclusão veio com o tempo e veio naturalmente como o dia após a noite. As mãos relutantes que gostavam de se tocar, inseguras e incertas do que faziam, passaram a compartilhar um aperto firme de dedos entrelaçados. Os abraços rápidos ficaram longos e cheios de afeto. Com o tempo, os meninos jovens e inexperientes começaram a gostar da ideia de amar um ao outro e ainda virgens do pensamento intolerante do mundo, deram seu primeiro beijo no pátio da escola, para todos verem e sem nenhuma preocupação do que os outros iriam pensar.

Aquele lindo casal não tinha medo de ninguém.

As dificuldades e intolerâncias ficaram pequenas diante do que aquele casal se tornou. As conchas se quebraram e eles passaram a significar alguma coisa para as pessoas ao seu redor. Muitos os apoiaram e eles fizeram amizades fortes com essas pessoas, o que era algo inédito na vida daquele adolescente que há poucos meses era apenas um menino inseguro em uma concha. As pessoas intolerantes e que eram contra aquele amor tentaram, ameaçaram, ofenderam, mas só conseguiram latir. Mal foram percebidas pelo menino e seu novo namorado. Aquele amor o fez sair de sua proteção de medo e insegurança, aquele amor o mudou e o fez se redescobrir como pessoa e redescobrir seus afetos.

O menino da concha estava feliz e nada mais importava.

By Vitor Murano

domingo, 15 de março de 2015

Aprendi a dançar só

E, com certeza, foi uma das melhores coisas que já me aconteceram. Aprendi por, além de querer, precisar. De maneira não tão agradável me dei conta de que assim eu ouço mais a mim, e isso me fez bem, afinal, quem não precisa de um pouco mais de si? Dançando só me dei conta de que a liberdade, se existe, mora em mim. Passei muito tempo presa, querendo voar mas sem saber como. Ainda não sei. Mas dançando só aprendi como abrir a minha gaiola, e isso basta. Em constante processo de renovação, eu danço só e encontro pelo caminho outros pássaros que ainda não sabem de si; não sabem se vão, se ficam, não sabem se sabem, não pensam se sabem, eles são. São sem querer, são por obrigação, caminham por seus puleiros e têm como objetivo habitar ninhos em árvores altas, conhecidas e admiradas. Pobre de mim, não sei nem onde encontrar galhos, quem dirá conquistar um espaço em uma dessas tantas árvores. Pobre deles! Que podendo voar para todos os lados, preferem ficar por alcançar o topo. Danço só, ainda pelos puleiros do meu habitat, mas já sei como abrir a minha gaiola, e isso basta.


Mariana Cortez

sábado, 14 de março de 2015

(Não) há liberdade quando se é diferente

     Ela era cega e fez questão de me explicar:
     - Nasci sem enxergar e vou morrer assim. Não tem transplante que me faça ver. Sou cega, nada além e nem a menos que isso.
     Não falava de um jeito que deixasse as pessoas com dó ou compaixão, falava que era cega com a mesma tranquilidade que falava que era capricorniana, com a mesma naturalidade que o sol se põe no horizonte.
     E foi ela que me fez ver o mundo.
     - Não há liberdade quando se é como sou - disse eu, em certo momento de alguma de nossas diversas conversas.
     - Não há liberdade quando se é diferente - ela me respondeu de prontidão.
     Nesse momento fez carinho em sua cão guia, Emma, uma labradora de pêlos pretos, muito dócil e muito atenciosa. Emma nunca tinha deixado sua companheira não enxergar, em uma cumplicidade que só as duas compreendiam.
     - O que eles querem é definir padrões, quem não se encaixar que se exploda pra eles. A liberdade nunca é dada para aqueles que estão fora das caixinhas.
     - E para os que estão dentro? - perguntei sonhando que um dia eu pudesse estar dentro dessa tal caixa padronizada, com uma liberdade imaginada em minha cabeça.
     - Bom, ela é uma fantasia que eles gostam de acreditar que possuem, mas que no fundo existe para os que estão dentro dos padrões tanto quanto para os que não estão.
     Mal deu tempo de absorver o que ela me dissera e ela já estava em outro assunto, na sequência estávamos ouvindo música e falando do calor, enquanto Emma se divertia na piscina, quase que com um convite dizendo que devíamos entrar também.
     No rádio começou uma música, e de uma forma totalmente inesperada, vi, com os ouvidos, que ela recitava um trecho:
"Esses dias, estava pensando. Stevie Wonder nasceu cego
E, quando ele diz "sunshine" - nascer do sol, fala de algo que ele nunca viu
Talvez seu sorriso seja a definição de Sunshine na mente de Stevie Wonder"
     - Na minha mente, a definição de sunshine é uma conversa com você - ela me disse, por fim.
     E então vi quão livre ela era, ela falava sobre viver como mais ninguém e ali entendi, que há liberdade sim, e ela está onde os outros não enxergam.

(Clara Di Lernia)

sexta-feira, 13 de março de 2015

Enxergar

Eu podia ver, olhar as coisas
Que ocorriam ao meu redor,
Mas não enxergava
As amarras em meu corpo.
Não sentia o peso desse fardo
De não ser padrão.
Já fui escura demais pra ser branca,
Branca de mais pra ser preta,
Bruta demais pra uma menina,
Linda demais pra gostar de meninas,
Pobre demais pra ser doutora,
Gorda demais pra ser modelo,
Feia demais pra ser desejada,
Muito nova pra entender a vida,
Muito velha pra sonhar,
Eu já fui Maria, Joana, Clementina,
Clarice, Elenita, Luana, Zelinda,
Mas nunca eu.
Por não enxergar as amarras,
Os grilhões e não sentir as dores do açoite
Me julgava livre.
Eu pobre menina
Que não enxergava a verdade,
Não há liberdade quando se é preto!

(Victória Sales)

quinta-feira, 12 de março de 2015

Os olhos não eram meus ainda

Mas um dia seriam, disso eu tinha certeza.

Enquanto eu esperava ouvia música. Ouvia muita música nessa época. E ouvia os sons da cidade caos em que eu vivia. Passei a admirar um tanto mais o silêncio também. Vez ou outra meu pai me levava ao parque. Eu ouvia os pássaros e o balançar dos galhos das árvores. Sentia o cheiro da grama molhada pela chuva no dia anterior.

Fui entendendo e apreendendo o mundo de outros jeitos, diferentes daqueles com qual eu estava acostumada.

As pessoas me perguntavam como eu me sentia. E eu sempre dizia estar ansiosa mas bem. Pra falar a verdade, eu estava muito esperançosa. Todo dia antes de dormir eu repassava mentalmente os acontecimentos do dia e dizia para mim mesma que tudo ia ficar tudo bem.

Eu sentia muita saudade de ler. Meu pai lia para mim. Sempre os livros favoritos dele. Eu não me importava e alguns favoritos dele, eram meus favoritos também.  Foi nessa época em que conheci o que ele mais gostava na literatura. Nunca estivemos tão próximos com este nosso gosto em comum.

Um dia meu pai leu o “Ensaio sobre a cegueira” do Saramago. Ele não gostava tanto, eu muito. Era bom ouvi-lo lendo esse por causa do ritmo imposto pela ausência das vírgulas e pontos.

Mais do que nunca eu me identificava com este livro.

Eu enxergava muito branco nesta época, como se eu tivesse nascido e vivido toda a minha vida na neve.


Foi uma época estranha e muito pouco colorida aquela em que eu passei esperando na fila por um transplante de córnea.

(Mayra Guanaes)

quarta-feira, 11 de março de 2015

UTERINO


Estava eu absorvido em um tecido molhado
Quente, muito quente... [Pulsante!]
Sangrando, sangrando... [Envolvente!]

Os olhos não eram meus ainda
apenas sentia um coração
maior que qualquer imagem
que um dia eu pudesse enxergar

Um ar frio enchia meus pulmões
Já podia ouvir os gritos 
Era 2045, 25 de dezembro!
Minha mãe que nasceu homem em 2015
Não sabia como comemorar

Agora eu já sentia os dedos
Meus pés eram de bailarina
Um braço estava roxo e
o outro eu já nem tinha

Os olhos não eram meus ainda
e eu apenas sentia... [Pulsando!]

Assim eu morria, sem ver uma sombra
sem saber o que há lá fora, o que eu sofreria?


(Paulo Afonso S. da Silva)

terça-feira, 10 de março de 2015

Nasci homem

Não nasci mulher mas se tivesse nascido teria ouvido desde cedo as coisas que não poderia fazer
Não nasci mulher mas se tivesse nascido teria passado toda minha infância ouvindo que deveria me comportar e ser menininha
Não nasci mulher mas se tivesse nascido seria forçado por todos a sentar da maneira em que eles consideram correta
Não nasci mulher mas se tivesse nascido teria ouvido dos meus professores que precisava me dar o respeito
Não nasci mulher mas se tivesse nascido seria socialmente podado do direito de conhecer meu próprio corpo
Não nasci mulher mas se tivesse nascido teria aprendido que preciso falar baixo, olhar pra baixo e no final arrumar a bagunça


Não nasci mulher e por isso olho pra dentro de mim todos os dias tentando não refletir a escrotidão do mundo lá fora
Não nasci mulher e por isso tento não usar minha voz, meu sorriso e minha ironia como forma de opressão
Não nasci mulher e por isso decidi jamais mentir sobre minhas intenções
Não nasci mulher e por isso gosto de conversar com militantes do movimento feminista pra tentar entender qual meu papel nisso tudo
Não nasci mulher e por isso talvez eu seja um opressor algumas vezes
Não nasci mulher e por isso ainda estou aprendendo


Não nasci mulher e mesmo assim sei que não há igualdade
Não nasci mulher e mesmo assim sei que a sociedade as objetifica
Não nasci mulher e mesmo assim sei que sou ouvido de uma outra maneira
Não nasci mulher e mesmo assim sei que vão julgar meu físico de outro jeito
Não nasci mulher e mesmo assim sei que o protagonista dessa luta não sou eu
Não nasci mulher e mesmo assim sei que só a luta é capaz de alterar a realidade


Não nasci mulher, mas nasci de uma mulher e fui criado por duas mulheres.
Adriano Leonel

domingo, 8 de março de 2015

Dia oito de março, dia da mulher
não me traga flores, panelas, xícara de chá, nem colher
Não adianta dar flores em um dia e no outro bater ou ser machista, racista ou homofóbico

Entenda, 
Eu não vim da sua costela
Foi você que veio do meu útero.
Então não venha me dizer
P a r a b é n s
Não venha me dizer
o que posso fazer
Entenda,
Eu não sou um saco de pancadas, mudo e imóvel
Eu sou um ser humano.
Não quero e não vou
Me encaixar em seus padrões impostos
E deturpados de beleza.
Não quero e não vou
Aceitar suas escolhas forçadas
sobre o meu corpo.

Sou mulher, logo existo
Por existir, logo resisto!
Resisto ao seu machismo,
Resisto aos seus olhares invasivos,
Resisto ao seu julgamento,
Resisto, pois só resistindo posso seguir

Dia oito de março, dia da mulher
Me traga respeito e direito pleno à minha vida
Durante todos os dias da minha
(R)Existência


Clara Di Lernia
Mayra Guanaes
Victoria Sales

Nesse dia tão representativo de luta das minas por mais direitos e respeito nós (minas e caras no projeto) achamos massa que as gurias do projeto escrevessem juntas por serem protagonista da luta diária que todas as mulheres vivem.

sábado, 7 de março de 2015

Uma dica?

     Qual a vergonha nisso? Para aqueles que seguem as tais teorias da moral e dos bons costumes, para aqueles que seguem com pudor até em seus pensamentos, deve haver alguma vergonha. Para nós, não há nenhuma!
     Qual o problema em sentir prazer? Pra nós, não há nenhum! Para os outros, o problema é que assim mostramos nossa independência, mostramos, que além de tudo que eles tentam, também somos gente!
     Gente de força, gente que sente, gente que goza, gente que gosta, gente que se conhece, gente que encara os preconceitos dos outros, gente que vive.
     Não venha com seus pudores pra cima de nós, porque quanto mais vierem, mais falaremos do gozo, da masturbação, da independência, do tesão, de direitos, de prazeres, de vontades, de ser humano, de poder, de dildos, de se tocar, de sentimentos, de fluídos, de gosto, do cheiro, do sexo (a um, a quatro, a dois...).
     Vocês ainda vão ouvir falar muito disso, e essas ideias toscas contaminadas de pudor serão enterradas, e queremos cavar fundo pra enterrar bem longe da superfície. Ainda há muito para mudarmos mas vou ali me tocar para encarar com mais vontade esse mundo, se pudesse te dar uma dica diria, se toca menina.

(Clara Di Lernia)

sexta-feira, 6 de março de 2015

Direito ao gozo

Se toca menina
Não precisa ter medo,
É teu direito fazer isso.
Não precisa se esconder
Os que dizem para que não o faça
Tem medo do poder do teu gozo.

Não há nada de errado com teu corpo,
Com teu amor, seja ele como for
E muito menos com teu prazer.
Não deixe a igreja, nem o estado
Cagarem regas sobre teu corpo,
Sobre teu gozo.

Sim,
Eu me masturbo!
Qual a vergonha nisso?
Qual o problema de sentir prazer?
E saber o que
E onde me da este prazer?
Sim,
Eu me toco,
Me sinto,
Eu gozo comigo mesma
Seja embaixo das cobertas
Ou no banheiro da escola.

Sim,
Eu me masturbo
Sem medo do teu julgamento,
Sem medo do inferno,
Sem as vestis coloniais do teu pudor,
Longe das tuas morais e bons costumes
Eu me masturbo
E gozo, o gozo da vida.
Você não?

Aos machos digo:
Preciso do teu pau
Assim como meu peixe precisa
De uma bicicleta!
Teu choro assim como meu gozo
É livre!

(Victória Sales)

quinta-feira, 5 de março de 2015

Dildos

Até recentemente não sabia bem o que esta palavra designava mas hoje sei. Vou explicar: parece um pinto mas não precisa colocar pra descansar depois do uso.
Você pode continuar usando.

Há quem chame dildos de consolos e eu particularmente acho este segundo nome infeliz. Os dildos não consolam, eles empoderam.

Os dildos explicitam o como as pessoas podem ser independentes sexualmente. Dá uma pena dxs machistas de plantão que acreditam que os homens são essenciais e fundamentais para nós mulheres. Pois é, os tempos mudaram, agora quando o interesse é só o pinto, não é preciso aguentar o dono do pinto só por causa do pinto.

Não é lindo? Fico pensando no Freud e no complexo de castração, aquele papo das meninas terem inveja do pênis dentro do seu inconsciente. E se fosse consciente? Já pensou como as coisas seriam diferentes se todos lessem Freud e suprissem a falta com dildos e não com Barbies?

Mayra Guanaes

quarta-feira, 4 de março de 2015

Última Fauna do Chá

O entardecer estava frio e uma lona estava armada em baixo do viaduto
Tinham luzes e maquinários que mais pareciam de um cenário hollywoodiano
Era o centro velho vivendo o máximo do despudor, o avesso das leis.

Mais de cinquenta homens jogados nos bueiros empoeirados, em corpos nus
rastejados pelo caos, uma organização complexa do Ser.

Da submissão carnal, admiração egóica do nervo e do osso.

Apenas um teve coragem de se levantar, queria ser apedrejado, jogaram-lhe as fezes dos ratos que subiam pelas paredes, o fizeram lamber até o teto, tudo por ter ficado ereto. A primeira sessão de gozo começou, silêncio!

...está escutando?

Além dos gemidos provocantes o cheiro que exalava só atraia mais gente,  por cima desciam as mulheres que dominavam as ruas, do céu refletia uma luz - era a nova constelação chamando!

Uma sombra com formato fálico se aproximava dos homens rastejantes, era a Gilka, com sua cinta brilhante, trocou as luvas por um dildo. naquele momento ela deu de cara com aquele homem qualquer que resolveu ficar ereto, eles se olharam e se aproximaram.

...três passos!
uma mordida no lábio
Gilka aperta a nuca suada do rapaz
e ele se entrelaça em Gilka
deixando-a com um mau cheiro...

O rapaz começa enforca-la; e ao mesmo tempo todos param de respirar junto com Gilka.
Seu olho parece aumentar, de sua pupila sai um pássaro;
"tem o bico volteado que nem gavião"

Gilka reage inesperadamente, enfiando no rapaz seu dildo brilhante enquanto de seu sapato nasce um salto, ela cresce, suas asas acontecem, se tornando um gavião entre os mortos, O único membro que lhe sobra é um braço, e com este ela acerta um soco no meio da costela daquele homem, que não mais ereto cai sobre os outros corpos. Gilka libera passagem aos urubus e

...sai voando, cantando!

(Paulo Afonso S. da Silva)




terça-feira, 3 de março de 2015

Crônica de um perdedor ou Como Me Tornei Verso de uma Poesia

Me preparei a vida inteira para aquele momento, cada suor derramado, cada hematoma, cada dia de jejum, e sacos e sacos de gelo. Consegui um Cartel de 18x1, sendo que minha única derrota foi na segunda luta da carreira e que só aconteceu porque eu desequilibrei e acabei levando um direto na fuça. Adorei que minha chance ao cinturão tenha vindo logo na vigésima luta da carreira, gosto dos números redondos: os zeros me lembram medalhas.
Flutue como uma borboleta, mas pique como uma abelha.”
Subi as escadas com os olhos fechados, dei uma volta deixando minha mão direita raspar pelas cordas, sentei no banco e esperei o que pareceu ser uma eternidade para o campeão entrar na arena. As luzes apagaram, senti o som ensurdecedor como a primeira pancada, primeiro gritos depois acordes de guitarra, qual o nome da maldita música? e no final o silêncio, eu posso jurar que ouvi os passos dele se aproximando, na hora me veio na mente um comentário do treinador sobre meu adversário daquela noite “Menino, você vai precisar fazer a luta da sua vida, aquele rapaz desvia como a inspiração e acerta como se pontuasse o final de um poema. Ele conseguiu transformar o boxe em lirismo e você vai precisar de uma narrativa melhor do que Dostoiévski pra levar o cara pra lona.” e nessa hora ele subiu as mesmas escadas que eu tinha subido ao que parecia ser meia hora. Ele foi andando direto até o canto dele, calmo, tranquilo e me olhou, só lembrei do poeta fingidor.
Do momento em que tocamos luvas com um sorriso no rosto de ambos, até o cruzado de esquerda no meu queixo tudo me parece nublado. Consigo lembrar de acertar dois diretos, de sentir o ar escapar ao levar um soco nas costelas, teve uma hora que cheguei até a pisar sem querer no pé dele, mas de resto só vendo a reprise na tv. No derradeiro momento eu estava bem, parecia até que tinha a dianteira, jab atrás de jab, alguns entrando na guarda, vi nos olhos dele o que constatei como medo, nessa hora não me segurei, e ao armar o soco acabei levantando demais o cotovelo, abri a guarda e com uma esquerda rápida fui ao chão. E dessa forma virei apenas mais uma parte de uma epopeia que ainda está sendo escrita.


<Augusto Nessuno>

domingo, 1 de março de 2015

Pra mim chega!!


Não quero mais falar de sentimento,
isso eu deixo para os poetas.
Quero falar de pele, de toque, de tesão,
da merda do cheiro do seu mijo quando você toma
[muito café!


Vou falar de buceta, de pau, de gozo,
dos segundos de respiração presa antes do alívio.
Vou falar de diarreia, de suor, de saliva, de
[fluído e de gosto.


Posso até falar de moscas, aranhas, minhoca e pernilongo,
da ferida que de tanto coçar sangrou.
Posso falar dos bêbados, dos mal encarados, do mau cheiro
[do centro
Mas as mãos dadas, pôr do sol e seu rubor eu deixo pro próximo.


Porque eu, humano, feito de carne, sangue, coração e fedor,
sempre escolherei o palpável, o tangível, o baque de não
[ir ao chão.
Mas me abaixo e respeito o lirismo quando ele sai campeão.



Adriano Leonel (27/02/15)