Ele acordara às 8h da manhã, horário em que entrava para
trabalhar, mas quem liga? Só os funcionários subalternos precisam chegar no
horário. Eles que batem ponto. Regras como essas não se aplicam para ele. Entrou
no carro importado quase 9h30, ligando para o escritório e gritando com um
gerente que questionou seu atraso, afinal, a empresa era dele, o gerente estava
lá por causa dele, os funcionários tinham emprego por causa dele. Para um homem
poderoso como ele, a Terra girava em torno do Sol por causa dele.
Você sabe quem eu sou?
No caminho, a mesma encheção de saco de sempre. Crianças
vinham pedir dinheiro para ele, jovens limpavam seu para-brisa à força, adultos
vendiam balas e faziam malabarismos. Isso não era trabalho, não era produtivo.
Porque aquelas pessoas não estudaram quando tiveram chance? Ele vinha de uma
família que não tinha nem empregada doméstica e, olha só, ele era um dos
empresários mais bem-sucedidos do mundo! Se ele conseguiu, vindo de tão baixo,
porque eles não conseguiam?
Você sabe o que eu fiz
para chegar até aqui?
Ao chegar no escritório, quase 10h, ele era o mais poderoso.
Passava pelas mesas, olhando todas as telas de computador e até gritando com um
funcionário que saía do banheiro. Fazia isso porque podia, porque queria. Não
ligava para ninguém ali, só para o copo de whisky e sua xícara de café que sua
secretária – com quem traía sua mulher ocasionalmente – colocava caprichosamente
na sua mesa, do lado de seu jornal. Seu médico já havia dito que seu fígado não
aguentava mais álcool, mas como sobreviver com tantos incompetentes ao seu
redor plenamente sóbrio?
Como ousa me
questionar?
Todos falavam pelas suas costas que ele era o estereotipo de
empresário arrogante, nojento, de pessoa ruim e chefe abusivo. Durante o
expediente, se trancava na sala e fazia ligações. Era um homem comprometido com
seu dinheiro, então trabalhava seriamente quando aparecia um problema. Era o
único momento em que seu ego não aparecia. Claro que havia dias em que
convocava uma reunião com sua secretaria e nenhum dos dois era visto pelo resto
do dia, ou havia tardes em que demitia vários funcionários só por estar de
mau-humor, mas havia dias de sorte em que ele se preocupava apenas com sua
empresa, que era seu orgulho, sua maior conquista.
Quem é você, perto de
mim?
Batendo 18h, armou suas coisas e viu seus funcionários
fazendo o mesmo. Grande parte deles já estava indo para casa, batendo seus
cartões e pegando os elevadores. Outros, no entanto, ficariam até mais tarde,
mesmo sem receber hora-extra, mas sob ameaça de demissão se o tal presidente da
empresa soubesse que algum problema não foi resolvido no mesmo dia em que
apareceu. Chegando no estacionamento, ele abriu seu carro importado, beijou sua
secretária e foi para casa.
Porque você está
falando comigo?
Ao chegar em casa, a polícia, junto com os bombeiros, estavam
em sua porta, com uma aglomeração atrás de uma fita de contenção. A mansão de
quatro andares estava completamente queimada. O risco de desabamento era
evidente e mesmo seus carros estavam destruídos. O delegado o avistou e deu voz
de prisão: uma série de vídeos dele estuprando sua mulher e agredindo seus
filhos e empregados foi jogada na internet. Era o circuito interno de sua casa.
Tire suas mãos de mim!
Sua esposa era a culpada pelo incêndio. Ela havia jogado
todos aqueles vídeos na internet e, antes de ir embora, usou a gasolina dos
tanques dos carros para queimar tudo que seu futuro ex-marido mais prezava. O
preço da madeira não fez diferença na hora de se preservar contra o calor
assassino do fogo, assim como a conta bancária não irá salvar aquele homem da
prisão. Fez o que fez achando que era inatingível, que leis não se aplicariam a
ele. Subestimou as pessoas ao seu redor,
Isso não pode estar
acontecendo!
Não ligou para os que pediram sua ajuda no farol, não ligou
para seus próprios funcionários ou mesmo para a própria família. Agora, preso e
com todos seus bens confiscados, não era ninguém. Ninguém ligava para ele. Não
tinha amigos, não tinha parentes, seus pais estavam quase exilados em Asilo,
sua mulher e seus filhos haviam ido embora.
Estava sozinho, enquanto via seus sonhos desaparecendo lentamente...
Quem sou eu?
By Vitor Murano