Desde
cedo ele aprendeu o que uma promessa não cumprida trás intrínseca a si. Vindo
de um lar desconstruído por falsos acordos passou manhãs sentado esperando por
pessoas que não apareceriam e tardes cobrando atenção de pessoas que não
poderiam satisfazê-lo. Viu gargalhadas serem lançadas graças à mentiras
contadas e lágrimas escorrerem pelo exato mesmo motivo. Viveu todas as traições
e presenciou todas as deixadas na mão que só a juventude é capaz de entregar e
por isso desde que se entendeu responsável por seus atos se forçou a só se
comprometer com o que acreditava poder cumprir.
Levou
isso tão a sério que afastou amizades, perdeu empregos, levou tapas, chutes,
socos e mesmo assim se manteve fiel a esse seu ideal. O mais recente dessa saga
de reveses se deu no fim do ano, após uma particularmente traumática tentativa de
construir uma vida a dois onde ambos só causaram falsas esperanças e traíram todos
os pactos entre eles. Mas o tempo e as mágoas passam, assim como a dor e o
medo. E no auge do torpor vindo de um pós amor eis a seguinte cena:
Ônibus cheio,
ele em pé lendo um livro não muito interessante que segurava com apenas uma mão
enquanto a outra estava agarrada à barra com a mochila deixando marcas no
antebraço. Ao perceber isso, a garota que estava sentada mais próxima a ele se
propõe a segurar sua bolsa e o garoto ao reparar no rosto daquela jovem sente
quase que imediatamente um calor tomar-lhe as bochechas e sem graça aceita a
cortesia, e se antes o livro já não era interessante agora ele sequer faz
sentido. Entre olhares para as letras e olhares – cada vez mais longos – para
aquele rosto, ele vai prestando cada vez mais atenção aos detalhes que o
conjunto de genes entregou para aquela garota. Era sem dúvida uma das meninas
mais bonitas que ele já tinha visto, cabelos castanhos presos em um simples
rabo de cavalo mas que permitia que algumas mechas caíssem pelo rosto branco,
quase pálido na verdade, sem nenhuma marca de nascença a não ser um pequeno
ponto branco logo acima da covinha esquerda do sorriso. Eles estavam trocando
sorrisos. E olhos azuis dela se tornavam ainda mais translúcidos com as rugas
do sorriso, ele estava preso naqueles olhos. E ao perceber isso fugiu rapidamente
para o livro, mas toda vez que tenta se concentrar em alguma letra ele se via lembrando de algum detalhe que ele talvez tenha deixado passar naquele rosto. Ao
buscá-la com os olhos algumas vezes ela também está olhando, em outras mexendo
no celular e em uma única escrevendo. Ao chegar no seu ponto ele teve que dar
tudo de si para ser capaz de pedir a bolsa de volta, agradecer e perder aqueles
olhos de vista.
Chegando
em cada ao mexer na bolsa ele acha um bilhete com um nome e um número de
telefone. Com as mãos tremendo ele busca o isqueiro no bolso e queima o papel
até o nome e toda a sequência de números desaparecer. Ele solta as cinzas no
chão e sai para fumar um cigarro pensando na lista que fez em dezembro para o
ano novo e cujo primeiro tópico era não se envolver com ninguém.
<Augusto Nessuno>
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