Hoje as minhas costas coçaram e ao colocar uma das mãos para trás senti um fiozinho em relevo. Era uma estria num lugar muito estranho, o qual nunca dei atenção. Mas voltar para a calça 42 tem um preço e voltei a me concentrar na louça que estava esperando água desde domingo. E divagando pensei que houve um tempo em que as estrias me preocupavam e ao ter que esfregar uma panela com parte de um omelete grudado, pensei que naquela época lavar toda a louça não era a minha obrigação e devia ser por isso - por não ter grandes preocupações - que as estrias me deixavam preocupada.
Mas não era só isso. Eu era aquela menina do colégio que era zoada porque tinha estrias. Oras, todo mundo tem estrias vocês irão me dizer, mas acreditem, os meninos pegavam pesado comigo.
O uniforme convencionalmente usado nos dias de calor era uma calça apertada que descia até o joelho e terminava na panturrilha. E lá na panturrilha era o lugar em que as minhas estrias moravam e elas estavam ali e eu convivia com elas.
Um dia eu cheguei pra aula depois do intervalo e sentei no meu lugar. Olhei pra frente e estava escrito na lousa, bem grande: ESTRIA.
E eu tive certeza que era comigo a provocação porque eu era constantemente zoada por causa disso.
E eu tive certeza que era comigo a provocação porque eu era constantemente zoada por causa disso.
Hoje enquanto eu acabava de exaguar a panela que eu estava lavando tentei lembrar o que aconteceu depois.
Eu fiquei puta, ofendida e me senti exposta, tão exposta mas tão exposta que eu nem reclamei para não me expôr mais. Não lembro se eu ignorei e fingi que não era comigo ou se apaguei o que estava escrito e esperei pra ver se o cuzão tinha coragem de escrever de novo. Pensando em como sou hoje estas duas saídas seriam plausíveis mas acho que não apelei para o óbvio que seria encaminhar isso para a direção do colégio porque nesta época o buylling era uma coisa muito naturalizada e sempre quando reclamávamos de alguma coisa, a orientação era para que a gente ignorasse, como muitas pessoas dizem, aliás, para fazermos quando algo nos incomoda, o que me faz pensar que a escola reproduz inúmeros aspectos da sociedade inclusive no que toca às opressões.
Depois deste episódio na 8ªsérie, eu passei a usar apenas calças largas de tactel que não mostrassem nenhuma estria e escondessem as minhas curvas, inclusive nos dias de calor, nesses eu dobrava a calça até o fim da panturrilha e ficava horrível. Fiquei nessa vida até o fim da escola. Me sentindo uma pessoa muito ruim e zoada. Eu não era ninguém, eu era só.
Muito tempo depois, tomei coragem e passei a usar os vários vestidos legais que eu havia ganhado de um amigo muito querido e ao perceber os olhares dos caras de 30 que frequentavam os mesmos lugares que eu, saquei que até que eu não era tão zoada assim e que o problema não estava nas estrias que apareciam depois da barra dos vestidos e sim nesses julgamentos escrotos que algumas pessoas fazem. Nessa história de querer falar do corpo da outra pessoa e faze-la se sentir mal por uma ou outra característica. Nessa história de cuidar mais do corpo do outro do que da própria vida. Os meninos pegavam pesado comigo porque a sociedade pega pesado todo o tempo, me arrisco a dizer, numa certa medida, com todo mundo. E o único jeito para lidar com isso é crescer e sobreviver, continuar caminhando, apesar das inúmeras condições adversas que aparecem no tabuleiro do jogo da vida
(Mayra Guanaes)
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